Música e sentidos

por Camila Fresca 01/06/2018

Entrevista com o maestro Carlos Prazeres

O maestro Carlos Prazeres não esconde a alegria e o entusiasmo no momento em que colhe os frutos do primeiro ano de funcionamento da Orquestra Sinfônica da Bahia (Osba) sob um novo tipo de gestão – em abril de 2017, foi assinado o primeiro contrato com uma OS, a Associação Amigos do Teatro Castro Alves. Carioca nascido em família de músicos (seu pai, Armando Prazeres, foi o fundador da Orquestra Petrobras Sinfônica), Prazeres formou- -se em oboé pela UniRio, no Rio de Janeiro, e se aperfeiçoou em Berlim, na Alemanha. Aos poucos foi migrando para a regência. Atuou como assistente na Opes, até que, em 2011, assumiu o posto de titular da Osba. De imediato, deu uma rejuvenescida na orquestra, renovando o repertório e apostando numa aproximação do conjunto com a comunidade. Há alguns anos, passou a lutar por uma mudança de gestão que dinamizasse a administração do grupo. Nessa entrevista à Revista CONCERTO , ele fala das recentes conquistas e dos projetos futuros. 

Carlos Prazeres [Divulgação / Gabrielle Guido]
Carlos Prazeres [Divulgação / Gabrielle Guido]

Qual é sua avaliação geral do primeiro ano da Osba sob o novo tipo de gestão? E como essa mudança impactou o cotidiano da orquestra? 
Foi um ano muito feliz. Sabíamos que era apenas a decolagem de uma nova Osba e mesmo assim conseguimos bater todas as metas, quebrar recordes de público. Nossa rotina mudou de forma radical. Antes não conseguíamos que os músicos tocassem juntos porque o grupo estava constituído de forma absolutamente desigual. Tínhamos cinco percussionistas e oito violinistas, por exemplo. Eram 47 músicos servidores e nove com contrato temporário. Ao todo, 42 dos servidores aderiram à gestão publicizada. E a OS contratou mais 35 via CLT, totalizando 77 músicos. Hoje eles atuam juntos em programas desafiadores, numa escala semanal condizente com qualquer orquestra profissional. Já na administração, passamos de dez profissionais para 17, além de cinco estagiários. Essa equipe assume a parte artística, todas as funções administrativas e fiscais e de comunicação, captação de recursos etc. 

E para o público, quais foram os benefícios? 
O primeiro deles é que a Osba voltou a poder se apresentar em casa, no Teatro Castro Alves (TCA), o que antes não era mais possível devido ao tamanho reduzido da orquestra. Além disso, o público sabe o que vai encontrar nos meses seguintes, já que agora a Osba passa a ter uma programação sólida. Brahms, Mahler, Liszt, Tchaikovsky, Shostakovich, Stravinsky e tantos compositores que saíram do repertório da orquestra, também devido ao tamanho reduzido, voltaram à cena. Como agora temos uma excelente equipe liderada por Fabiana Pimentel, finalmente podemos executar projetos que antes eram apenas um desejo, como nossas turnês, por exemplo. O novo modelo nos permitiu reforçar não apenas as capacidades artísticas, mas principalmente a estrutura de gestão. 

Quais são os projetos que, daqui para a frente, passam a fazer parte da orquestra? 
Apesar de toda a alegria com o despertar de uma nova Osba, sabemos dos imensos desafios pela frente. Entre eles, a criação de um plano de assinaturas, a captação de recursos, a compra de instrumentos e partituras. Há também uma pauta a ser analisada com carinho: apesar de a sala principal do TCA ser nossa casa, o crescimento da Osba reacende a ideia de uma sala de concertos especializada. Uma ideia que já vem sendo pensada no âmbito do novo TCA, projeto de ampliação e requalificação do complexo Teatro Castro Alves, iniciado em 2016 com a reforma da concha acústica e em curso com a reforma da sala do coro. A ideia da sala de concertos se reforça com os novos rumos da Osba e seu poder mobilizador de público. Nesse espaço, a orquestra poderá aproveitar da forma mais intensa possível a experiência sonora da música sinfônica, além de oferecer mais quantidade e diversidade de atividades para o público. 

Neste mês, a Osba faz cinco concertos, dois deles regidos por você. Como está organizada esta temporada? 
Devo dizer que a Osba hoje vive um momento diferente, com apoio irrestrito do governo do estado da Bahia. O entendimento, a compreensão e o estudo deste último foi fator determinante para nosso atual estágio. Contudo, temos ciência de que esse apoio só foi possível porque a Osba passou a ser um anseio da sociedade. Traduzindo, só foi possível por causa do aumento expressivo do público, mesmo nas fases mais críticas, em que contávamos com um efetivo suficiente apenas para as músicas clássica e barroca. Uma nova maneira de levar a música ao público, por um encontro mais sensorial com as pessoas, tornou esse aumento possível. Além de concertos, saraus e apresentações temáticas entraram no cardápio e, agora que recebemos todo o apoio, nossa opção foi não mudar a direção, e sim torná-la ainda mais rica. Assim, temos nossa série principal no TCA, a Série Jorge Amado, que neste ano traz Mahler, Shostakovich e outros compositores. Temos os Domingos da Osba, com os mesmos desafios de repertório da última, porém com um teor mais leve na forma de apresentação. Temos a volta do Futurível, série que traz a música moderna/contemporânea de forma didática e sensorial. Nela, apresentaremos agora o Concerto para orquestra de Lutoslawski, além das obras de Edino Krieger, Paulo Lima, Wellington Gomes, Mario Ferraro, entre outros, tornando o acesso à música brasileira algo que dialoga de forma verdadeira com a sociedade. 

Há também concertos em espaços alternativos? 
Sim, a Série Manuel Inácio da Costa é executada nas igrejas baianas. São ocasiões importantes, já que estamos numa cidade cercada das mais incríveis obras-primas do barroco, ou seja, o diálogo com a arte começa antes mesmo do concerto. No Cineconcerto (Série Glauber Rocha), dedicado unicamente às trilhas sonoras da sétima arte, os músicos tocam fantasiados de personagens consagrados do cinema. A simples imagem de um músico fantasiado já desconstrói a ideia preconcebida que muitos têm a respeito das orquestras: algo sério, entediante e inacessível. Continuamos com nossos saraus, que levam agora a alcunha da querida poetisa Myrian Fraga. Há um incentivo financeiro para a música de câmara dentro da própria orquestra, por meio da Série Carybé, e teremos também uma série dedicada a estabelecer relações místicas e sensoriais com a música, com a utilização de vídeo, iluminação e outros recursos especiais, que deve se chamar Mãe Menininha. Para finalizar, nosso projeto Cameratas continua estabelecendo vínculos sociais importantíssimos, visitando escolas, hospitais, presídios, de onde jamais qualquer orquestra poderia se ausentar, pois a meu ver são os que mais precisam de nossa arte. 

Desde que passou a comandar a Osba, você teve a preocupação de fazer com que a comunidade reconhecesse o grupo como algo importante na vida de todos. Como anda a relação público-orquestra hoje? 
Estamos muito felizes com o vínculo que criamos com o público baiano, e a maior prova disso é a Associação de Amigos do Teatro Castro Alves nos gerir, ou seja, a sociedade civil arregaçou as mangas e foi cuidar da orquestra. A ATCA é uma organização social com seis anos de existência, cuja criação foi capitaneada pela coreógrafa paulista radicada na Bahia Lia Robatto e que hoje é presidida por João Américo Bezerra, figura destacada no cenário da música local. Liderados por eles, representados pela diretora executiva Fabiana Pimentel, conseguimos levar à concha acústica do Teatro Castro Alves 5 mil pessoas em um concerto de compositores russos. Aliás, é da Osba o recorde de público pós-reforma do espaço. Muitas vezes nosso problema é criar sessões suficientes para todos. No entanto, sabemos que ainda temos outros desafios. Nossa série principal se dá numa quinta-feira, e precisamos preencher a totalidade do TCA (1.600 lugares), o que nem sempre acontece. O programa de assinaturas com uma temporada sólida e confiável, apresentada com antecedência, é uma meta importante também. Observo hoje o orgulho que os baianos têm de contar com esta orquestra. Eles a tomam como um estandarte, é algo lindo de ver.

O que de mais importante você pessoalmente aprendeu nesses anos de convívio com a Osba? 
Gilberto Gil diz que a Bahia dá régua e compasso. Ele está certo. Cheguei aqui com uma mentalidade típica do Sudeste brasileiro, procurando copiar os modelos que encontrei no Rio de Janeiro, em São Paulo ou mesmo em Berlim. Conviver com os baianos, participar ativamente de suas festividades, foi algo que mudou radicalmente meus alicerces. Ainda mais nos períodos de maior dificuldade da orquestra, quando precisava manter a fé de que as coisas dariam certo, busquei saber como a Bahia vive a cultura e como a orquestra pode servir a essa sociedade tão especial, tão mística, tão sábia. Que a Osba jamais seja apenas um reduto de confraternização das elites. Que ela chegue a todas as raças, todas as classes sociais, todas as faixas etárias. Esse foi meu pedido, e acho que estamos no caminho certo. 

Obrigada pela entrevista.

AGENDA
Orquestra Sinfônica da Bahia 
Stefan Geiger – regente / Heinz Schwebel – trompete 
Dia 1º, Museu de Arte Sacra (Salvador/BA) 
Carlos Prazeres – regente / Priscila Rato – violino 
Dia 10, Teatro Castro Alves (Salvador/BA) 
Ricardo Bologna – regente e percussão 
Dia 17, Igreja de São Francisco (Salvador/BA) 
Carlos Prazeres – regente 
Dia 29, local a definir