Morre, aos 94 anos, o barítono Eladio Pérez-Gonzales

por João Luiz Sampaio 13/08/2020

“O intérprete tem de estar preparado para e aberto a todo tipo de estética. Nossa obrigação é servir, ser o veículo para a sensibilidade do compositor.”

“O professor tem que se interessar pelo aluno. O aluno é o mais importante, não o conhecimento do professor. Nossa função é orientar a procura da percepção de sensações que orientem o aluno na busca da sua técnica. Técnica é isso, esse conjunto de sensações que o aluno reúne em sua trajetória.”

Uma vida não cabe em apenas duas frases, mas ambas me vieram à mente ao receber a notícia da morte na manhã desta quinta-feira, do barítono Eladio Pérez-Gonzales, aos 94 anos, por conta de problemas de saúde agravados pelo coronavírus. Porque falam do interesse pela música nova – e do modo como ele ajudou a formar gerações de artistas, duas de suas contribuições que ele deixa para o cenário musical brasileiro.

Pérez-Gonzales nasceu em 1926 no Paraguai. Mudou-se nos anos 1940, chegando a São Paulo com o irmão. Formaram um duo, foram atração na Rádio Record, com a música latino-americana como destaque do repertório que apresentavam.

Em seguida, mudou-se para os Estados Unidos e, de lá, para a Europa. Na Alemanha, passou mais tempo – e um tempo decisivo. “Frequentei festivais como o de Darmstadt e aquilo me impressionou muito, fazendo com que eu passasse a estudar e pesquisar esse repertório de oura forma”, contou em uma entrevista à Revista CONCERTO em 2016, quando completava 90 anos e era homenageado por sua carreira.

A ligação com a criação contemporânea desde então se tornaria chave em sua vida. Estreou obras de Osvaldo Lacerda, Gilberto Mendes. H. J. Koellreutter, Jorge Antunes, Aylton Escobar – a lista é enorme e diversificada. Naquele 2016, por exemplo, subiu ao palco da Sala Cecília Meireles para um recital no qual cantou peças de Caio Senna, Murilo Santos, Bruno Kiefer e Tim Rescala. E dizia que já tinha pela frente mais um punhado de obras das quais pretendia fazer a estreia mundial. “Eu sigo cantando. E cantando direito”, brincou na ocasião. “Continuo persistente.”

Na apresentação, foi acompanhado da pianista Berenice Menegale. Os dois se conheceram nos anos 1970, em um festival de música em Ouro Preto. Passaram a se apresentar em duo. E a atuar também na Fundação Artística de Belo Horizonte, da qual ela é diretora. Sua atividade como professor foi também marcante – celebrada pelo olhar humanista com que via a profissão, sempre levando em conta o diálogo do cantor com outras artes. Não se tratava apenas da voz.

Naquela entrevista, ele começou a conversa com uma brincadeira. Lembrou que, certa vez, no México, a direção de um festival de música pediu a ele que enviasse um currículo breve para o programa da apresentação. “Pensei muito e escrevi a eles: O barítono paraguaio propõe que seu currículo diga: Nasceu. Canta de vez em quando. Um dia vai morrer.” O dia chegou – e, com ele, sua voz entra para a história.

Leia mais
Notícias
Osesp anuncia concertos até o final de agosto
Notícias Corpos artísticos do Teatro Amazonas retomam programação
Revista CONCERTO Visão de futuro: entrevista com Olaf Maninger

 

Eladio Pérez-Gonzales [Divulgação]
Eladio Pérez-Gonzales [Divulgação]

 

Curtir

Comentários

Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não refletem a opinião da Revista CONCERTO.

É preciso estar logado para comentar. Clique aqui para fazer seu login gratuito.