MultiOrquestra: discutindo o futuro das orquestras e de nossa vida musical

por Camila Fresca 05/05/2014

Na semana passada, Belo Horizonte sediou um evento que talvez não seja exagerado qualificar como “histórico” – a primeira Conferência Internacional MultiOrquestra: Talento, Gestão e Impacto. Durante três dias, personalidades da música clássica brasileira e britânica se reuniram para trocar experiências e discutir projetos e soluções para uma área que, a despeito de suas dificuldades, encontra-se em franco desenvolvimento no Brasil (nesse sentido, vale a leitura da matéria de capa da Revista CONCERTO deste mês de maio, que escrevi e na qual trato justamente desse bom momento). A iniciativa foi do British Council, que, em parceria com a Orquestra Filarmônica de Minas Gerais e a Associação de Orquestras Britânicas (ABO), quis proporcionar um espaço de trocas e debates sobre as melhores práticas do campo de orquestras no Brasil e no Reino Unido.

Mas por que isto seria exatamente histórico? Ora, quantas vezes nos últimos anos alguns dos maiores representantes de orquestras e instituições musicais brasileiras se reuniram para discutir exaustivamente sobre seu meio e sobre as perspectivas desse mercado? A menos que eu esteja enganada, nenhuma. Pois bem, entre os dias 28 e 30 de abril, quem acompanhou a conferência no Palácio das Artes, em BH, pôde ouvir o que pensam dirigentes como Fabio Mechetti e Diomar Silveira, da Filarmônica de Minas Gerais; Marcelo Lopes e Carlos Harasawa, da Osesp; Fernando Pereira, da Petrobras Sinfônica; Paulo Zuben, da Santa Marcelina Cultura; Guilherme Mannis, da Sinfônica de Sergipe; Ricardo Castro, do Neojiba; Ricardo Levisky, da OSB; Alex Klein, do Femusc e Programa de Inclusão através da Música e das Artes (Prima); Rodrigo Toffolo, da Orquestra Ouro Preto; André Cardoso, da Escola de Música da UFRJ; Renato Bandel, da Santa Marcelina e Sinfônica Heliópolis; Leonardo Martinelli, recém-contratado do Theatro Municipal de São Paulo; e diversos profissionais britânicos, como John Summers, diretor da Hallé Orchestra; William Norris, diretor de comunicação criativa da orquestra The Age of Enlightenment; Sean Gregory, diretor de aprendizado criativo do Barbican Centre e da Guildhall School; e Mark Pemberton, diretor da Associação de Orquestras Britânicas. O Ministério da Cultura foi representado por Gabriel Bortolini, coordenador-geral de Ações Estruturantes da Secretaria de Economia Criativa. E a organização geral foi de Luiz Coradazzi, diretor de artes do British Council, que estruturou o evento ao lado de Eric Klug (vice-diretor do British Council Brasil) e de Claudia Toni, uma das mais experientes gestoras orquestrais do país.

A maioria absoluta dos participantes permaneceu durante os três dias do evento, acompanhando as mesas e estendendo os debates para as pausas do café, os grupos de discussão ou até durante o jantar. Além dos nomes mencionados, outras figuras atuantes de nosso meio musical foram até Belo Horizonte exclusivamente para acompanhar o evento, enriquecendo-o ainda mais. Foi estimulante ver na plateia jovens maestros e gestores de projetos musicais de todo o Brasil, ávidos por discutir e trocar experiências. Além de participantes do Rio, São Paulo e Minas, o congresso foi acompanhado por gente do Mato Grosso, Santa do Catarina, Paraná, Rio Grande Sul, Ceará, Distrito Federal, Bahia, Pará, Mato Grosso do Sul, Sergipe, Rio Grande do Norte, Espírito Santo e Goiânia. Nas falas da plateia, foi possível descobrir um universo ainda mais rico e diversificado de projetos musicais espalhados pelo Brasil. Seus responsáveis estavam interessados em partilhar suas experiências e dificuldades, mas também em participar da discussão sobre como desenvolver e aprimorar a cena orquestral brasileirao.

Além de moderar o painel A Orquestra Criativa, tive a honrosa incumbência de apresentar, ao final do evento, um relatório sobre as discussões, ao lado de Elizabeth Ponte (diretora executiva do Neojiba), Heloísa Feichas (professora da Escola de Música da UFMG) e Ricardo Teperman (editor da Revista Osesp, músico e antropólogo). O grupo apresentou algumas constatações levantadas ao longo da conferência – que a despeito de ser centrada nas orquestras acabou por suscitar uma série de questões. Entre elas, a de que a educação musical no Brasil precisa melhorar muito; que nosso setor orquestral é desarticulado; que o poder público desconhece o setor; e que entraves burocráticos da legislação impedem o andamento ideal dos projetos. Cada um desses tópicos foi tema de pelo menos uma discussão completa, e para esmiuçá-los aqui precisaríamos de vários outros artigos. Vale apenas registrar que, de todos eles, houve grande destaque para as deficiências de nossa educação musical. Entre as “reações” que os participantes julgaram urgentemente necessárias estão discutir qual o papel das orquestras na educação musical; estimular a comunicação e as parcerias entre as instituições; organizar a área; fazer lobby para se fazer ouvir pelo poder público e, entre outras coisas, alterar a legislação; e pensar sobre os possíveis modelos de gestão e financiamento de orquestras. Tudo isso na tentativa de fortalecer nossas estruturas, a fim de garantir a perenidade dos projetos.

Mas qual seria o caminho para colocar tudo isso em prática? Este talvez tenha sido o resultado mais importante do evento: chegou-se a conclusão da necessidade de criação de uma associação que represente as orquestras, e um grupo formado por profissionais ali reunidos se dispôs a cuidar dos trâmites iniciais para que isso ocorra. Se tal ação se materializar, aí sim teremos um momento histórico de consequências extremamente frutíferas para o setor orquestral brasileiro. E as perspectivas para tal são animadoras, não apenas pela disposição mostrada pelos participantes mas também porque já estão confirmadas outras duas edições da conferência, em 2015 e 2016, que certamente serão fóruns de discussão nos quais a ideia será amadurecida e – oxalá – concretizada.

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