Filme “Filhos de Bach” marca por sua sensibilidade e delicadeza

por Nelson Rubens Kunze 09/06/2017

Estreou ontem, em diversas cidades brasileiras, o filme “Filhos de Bach”, produção teuto-brasileira dirigida por Ansgar Ahlers. Assisti à pré-estreia e gostei. O filme, que tem argumento e roteiro do próprio Ahlers, conta a história de Marten, um professor de música aposentado, na Alemanha, que recebe a notícia de que o seu melhor amigo de infância, que emigrara ao Brasil e a quem nunca mais encontrara, deixou-lhe em testamento um manuscrito autógrafo de um dos filhos de Bach. O problema é que, para recebê-lo, Marten tem de viajar a Ouro Preto. Começa então uma aventura que irá mudar a vida não só desse pacato professor alemão frustrado, mas de um grupo de meninas e meninos brasileiros, internos de um reformatório das vizinhanças de Ouro Preto.

Se você pensou em uma história de choque cultural ou crítica social, esqueça! “Filhos de Bach” não se propõe a isso. É um filme com uma mensagem fraternal, uma história de encontros e de confraternização, em que as diferentes culturas e maneiras de ser se descobrem e se complementam.

Se há clichês e uma caracterização um tanto caricata dos personagens – o alemão professor de música meio desajustado, a inspetora autoritária, o brasileiro cordial e alegre –, eles parecem intencionais e contribuem para uma narrativa que, qual um conto de fadas, se desdobra nas intersecções da fantasia e da realidade. Direto e despretensioso, o filme expõe, candidamente e com um humor sutil, faces de nossa humanidade, conquistando por sua delicadeza, sensibilidade e inocência.

Cândido, aliás, é o nome do zelador do reformatório (ele mesmo um ex-interno da instituição), que, ao lado de Marten, é o fio condutor da trama. Como o Cândido de Voltaire, esse jovem negro da periferia de Ouro Preto vive a vida com um exagerado otimismo ingênuo mesclado a uma extroversão e alegria “tipicamente brasileiras”. E ele fala alemão, pois trabalhava em Ouro Preto com o musicólogo alemão Karl, aquele antigo amigo de Marten, que lhe deixara a partitura em testamento.

E tem a bonita música, que acompanha o filme do começo ao fim. A trilha é toda baseada em temas de Bach, mas em versões brasileiras arranjadas com muito bom gosto (arranjos de Henrique Cazes, David Christiansen, Jan Doddema e Gilvan de Oliveira). [A trilha do filme será lançada em CD pela gravadora Biscoito Fino.]

Além dos atores alemães Edgar Selge (Marten), Franziska Walser, Peter Lohmeyer e Hans-Peter Korff, o elenco traz os brasileiros Pablo Vinicius, Aldri Anunciação, Thais Garayp, Dhonata Augusto, Stepan Nercessian (como diretor do reformatório) e Marília Gabriela (como ministra da justiça).

“Filhos de Bach” traz uma mensagem humanista, em que a música serve de instrumento para a criação de vínculos. Não há propriamente compaixão, mas solidariedade, já que os dois lados estão “perdidos” e se “salvam” mutuamente. A gente sai do cinema de bem com a vida, com uma sensação de que aquele happy end meio improvável poderia mesmo ser realidade. Uma sensação tão crível – ou tão pouco crível – quanto à história de que uma partitura manuscrita de um filho de Bach possa estar mesmo perdida em algum canto da cidade de Ouro Preto...

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