Um começo promissor

por João Luiz Sampaio 07/12/2020

É uma das funções corriqueiras de um maestro assistente: assumir concertos nos quais o titular ou um convidado não poderão atuar. Mas não houve nada de corriqueiro nos últimos meses de José Soares com a Orquestra Filarmônica de Minas Gerais.

Primeiro, assumir concertos durante uma pandemia. Mais: enfrentar de cara um repertório canônico, com diversas sinfonias de Beethoven. E, como se precisasse de mais alguma coisa: reger em apresentações transmitidas ao vivo pela internet.

“Para usar uma expressão, é um belo rabo de foguete”, ele brinca, conversando por telefone com a Revista CONCERTO. “Ainda estou começando minha carreira, com muito a aprender. E assumir esses concertos, com obras que expõem a orquestra e o regente… Posso dizer que perdi muitas horas de sono.”

O resultado, porém, chamou a atenção do público e da crítica, interpretando obras como as sinfonias nº 2, nº 4, nº 6, nº 7 e nº 8, além da música para Coriolano e arranjos para orquestra de cordas de peças de câmara como Grande fuga. Esta semana, ele volta a reger o grupo no dia 12, em programa com aberturas do compositor.

José Soares [Divulgação / Bruna Brandão]
José Soares [Divulgação / Bruna Brandão]

“Tenho sorte, porque o resultado dos concertos tem a ver com toda a fundação que o maestro Fabio Mechetti construiu com a orquestra nos últimos anos. Eu apenas colho os frutos”, diz Soares, sobre quem faltou até agora um detalhe: ele tem apenas 22 anos. 

José Soares começou na música acompanhando a mãe, Yara Campos, maestrina acostumada a trabalhar com educação musical e canto coral. Isso quer dizer que, aos 6 anos, ele já cantava – e que passou a infância em ensaios. Estudou piano, mas conta que logo a regência foi se tornando um interesse específico.

Em 2004, Yara foi preparar o coro para uma montagem de Lo schiavo, de Carlos Gomes, em Campinas. E o pequeno José assistiu a todos os ensaios. A direção musical era do maestro Cláudio Cruz. E, dez anos depois, eles se reencontrariam.

José se inscreveu na Oficina de Música de Curitiba, onde teve aulas com Cruz. E, entre o terceiro colegial e ano passado, frequentou as master classes do maestro com a Orquestra Jovem do Estado. Também participou do Laboratório de Regência da Filarmônica de Minas Gerais. E entrou no radar de Mechetti.

“Quando Marcos Arakaki resolveu deixar o grupo, comecei a procurar um novo nome”, conta o maestro titular da Filarmônica de Minas Gerais. “Convidei uma série de jovens regentes que participaram dos laboratórios para reger e gostei muito do trabalho do José Soares. Havia a questão da pouca idade, mas conversei com Cláudio Cruz, que comentou sobre a maturidade dele. Todas as indicações foram muito positivas. E o que aconteceu neste ano mostrou todas as qualidades em que a gente até então apostava”, completa.

“Para mim, o objetivo é desenvolver com os músicos uma relação o mais honesta possível”

Para Mechetti, há nele um interesse firme em aprender. E Soares parece mesmo ter a cabeça no lugar: “Poder fazer esses concertos e estabelecer uma relação com a orquestra é um exercício máximo de humildade. Eu sei que essa é uma oportunidade rara. E, para lidar com ela, é preciso ser humilde perante a magnitude dessas obras, além de, claro, estar bem preparado, no sentido técnico – e também humano. Para mim, o objetivo é desenvolver com os músicos uma relação o mais honesta possível.”

Soares diz que seu interesse pela regência veio da crença no “poder transformador da música em conjunto”. “Tenho paixão por compartilhar a visão de uma obra, a mensagem de um compositor. O maestro, neste sentido, deve facilitar o trabalho dos músicos e buscar expandir as possibilidades artística de uma comunidade.” 

 

Falar de futuro é necessário. “Sei que há muito a aprender ainda, e minha trajetória neste momento está ligada a esse objetivo.” Sair do Brasil para completar a formação e dar passos na carreira é uma possibilidade, buscando um mercado mais amplo, mas sempre tendo em mente a importância de maestros na criação de mais oportunidades na cena musical brasileira.

Nesse processo, há um repertório a ser construído. “Ainda é muito cedo para ter um repertório específico em mente. Essa, na verdade, é uma questão complicada. Como jovem regente, você sabe que precisa primeiro aprender o grande repertório. Mas ele é enorme! E há uma questão também de vivência musical e artística. Mas entendo que minha função seja combater minha própria ignorância. Poder trabalhar no sentido de ampliar, expandir meu conhecimento.”

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