Um carioca na Bahia

por Camila Fresca 01/11/2016

“A Osba me deu muitas felicidades, aqui me sinto mais útil como ser humano”, conta o maestro Carlos Prazeres, que há cinco anos trocou o Rio de Janeiro por Salvador

Para Carlos Prazeres, a atuação como artista só vale a pena se incluir, além da recompensa musical, uma contribuição para a coletividade. Filho do maestro Armando Prazeres, Carlos nasceu envolto no ambiente da música clássica – ele conta que só foi conhecer a música popular na adolescência. Formou-se em oboé pela UFRJ e aperfeiçoou-se na Academia da Orquestra Filarmônica de Berlim. Paralelamente, estudou regência com o maestro Isaac Karabtchevsky e, em 2005, assumiu o posto de regente assistente da Orquestra Petrobras Sinfônica (Opes), trabalhando com Karabtchevsky na orquestra fundada por seu pai. Desde 2011, é regente titular e diretor artístico da Orquestra Sinfônica da Bahia (Osba), e seu trabalho tem chamado atenção pela capacidade de atrair novos públicos. 

Um dos projetos que mais têm visibilidade – e que por vezes desperta críticas – é o que leva a música popular à sinfônica. “As pessoas pensam que a gente substituiu a música clássica pela popular, mas a porcentagem desses concertos em nossa programação não chega a 10%”, afirma Carlos. “Vejo esse processo de mistura de duas formas: como enriquecimento musical para a orquestra e como forma de mudar a imagem dessa instituição tão tradicional, num mundo em que a imagem é tão importante. As pessoas que vêm pela primeira vez nas séries populares passam a ver a orquestra como algo mais jovial, menos sisudo, algo que pode fazer parte do mundo dela.” Além da série popular, outras iniciativas bem-sucedidas são o Cineconcerto, que lota com antecedência os 1.600 lugares do Teatro Castro Alves, e o Sarau no MAM, projeto no qual o público interage com a orquestra. 

Carlos Prazeres [Divulgação]
Carlos Prazeres [Divulgação]

“O que gosto de fazer é levar a musica clássica para outros formatos. Gosto de rediscutir o formato da música de concerto hoje. Nem que seja pra gente chegar à conclusão que tudo deve permanecer igual, como na época de Liszt”, acredita. “Mesmo nos concertos tradicionais, faço questão de falar com o público, pois a verdade é que 98% das pessoas não estão acostumadas com o repertório sinfônico. E isso também traz um grande resultado.”

Se as iniciativas são arrojadas e o público tem comparecido em peso, a verdade é que a Osba enfrenta uma situação institucional e financeira grave. É necessário renovar quadros por conta de aposentadorias, aumentar o número de vagas e consolidar o projeto de uma organização social. “Não queremos ser uma orquestra regional, queremos ser um grupo de ponta. Isso exige dinheiro, e infelizmente passamos por uma crise aguda”, revela Carlos. “Temos nesse momento uma situação curiosa: nunca houve aqui dificuldade tal e também nunca houve tanto público, os concertos estão sempre lotados, as redes sociais abarrotadas de comentários. É porque a Osba está fazendo diferença na sociedade, e isso é um mérito de todo o grupo.”

Em 1999, o maestro Armando Prazeres foi morto durante um sequestro no Rio de Janeiro. Carlos estava estudando na Alemanha e foi aconselhado por seu professor a permanecer por lá, pois teria condições de conquistar vaga em alguma orquestra. “Foi difícil, mas eu achei que deveria voltar”, revela. “Não adianta reclamar, estamos em um país que ainda é adolescente, há muito trabalho pela frente. É violento mesmo, perdi meu pai para violência, mas não vou fazer nada? Tenho que ajudar essa sociedade. É uma opção de vida, preciso me sentir útil, colaborando.” 

Esse mesmo sentimento foi o que pesou quando tomou a decisão, após dois anos entre o Rio e Salvador, de deixar a Opes para se dedicar apenas a Osba. “Fiquei muito dividido, pois sabia que sairia dos holofotes da mídia clássica do Rio e de São Paulo. Além disso, a situação era muito mais cômoda na Opes, que tem seu patrocínio garantido. Era a zona de conforto versus o desafio. Vendo hoje o carinho do público baiano e o sucesso com a sociedade, creio que tomei a decisão acertada. A Osba me deu muitas felicidades, aqui me sinto mais útil como ser humano”, afirma.