Bruno de Sá, a voz brasileira que está ganhando a Europa

Gravação de ópera lançada, contrato de exclusividade assinado com grande firma internacional, espetáculo de destaque em festival de verão europeu, ao lado dos maiores nomes de sua área – e tudo isso, lembremos, em plena pandemia: às vésperas de completar 31 anos de idade, o paulista radicado em Berlim Bruno de Sá parece destinado ao estrelato na cena lírica global.

Quem está dizendo isso? Não sou eu. Apenas Le Monde. Na última quarta-feira, dia 9, o jornal francês cravou uma manchete peremptória: “Uma nova estrela no firmamento”. O “gancho” era a participação de Bruno no Bayreuth Baroque Opera Festival, na cidade mundialmente conhecida pelo seu festival wagneriano, na casa de espetáculos idealizada pelo criador do Anel. Este evento acontece no “outro” teatro de Bayreuth, a Ópera Margrave, do século XVIII, e Bruno atuou em uma produção de Carlo Il Calvo, de Nicola Porpora (1686-1768), o napolitano que foi rival de Händel em Londres, e escreveu para os principais castrati de seu tempo. 

Bruno de Sá [Divulgação / Kuenzli Photography]
Bruno de Sá [Divulgação / Kuenzli Photography]

Na montagem (transmitida para todo o planeta na página do Facebook do evento), o cantor paulista contracenou com nomes do quilate da soprano russa Julia Lezhneva (que fascinou São Paulo em 2018, na temporada da Sociedade de Cultura Artística) e dos contratenores Franco Fagioli e Max Emanuel Cencic (que é tido na Europa como o “descobridor” de Bruno).

Ele conta que a preparação toda foi feita em Atenas, e que, até a véspera da viagem, não havia a certeza de que os cantores poderiam embarcar para a Alemanha. “Foi todo mundo testado para Covid-19 e, se alguma pessoa estivesse contaminada, ninguém viajaria”, conta. Em Bayreuth, a incerteza prosseguiu. “Até quatro dias antes, nem sabíamos se haveria estreia, pois os protocolos mudavam a cada duas horas”, conta. “Nos ensaios, ficávamos colocando e tirando máscaras, lavando as mãos com álcool gel a cada vinte minutos”. As três récitas foram feitas com público – porém mantendo distanciamento social. Confira aqui duas cenas do artista brasileiro no espetáculo:

 

 

De volta a Berlim (para onde acaba de se mudar, após o fim de seu contrato com o Teatro de Basileia, na Suíça), ele curte o lançamento da gravação de sua estreia operística no Velho Continente – Polifemo, de Giovanni Battista Bononcini (1667-1740), pela Deutsche Harmonia Mundi, com o Ensemble 1700, dirigido por Dorothee Oberlinger.

 

A grande novidade fonográfica, contudo, deve ser registrada em fevereiro do ano que vem. Cobiçado pela Deutsche Grammophon, Bruno acabou fechando um contrato de exclusividade com a Warner, e estreia com um álbum solo, centrado em torno da cidade de Roma, e consistindo em árias de personagens femininos cantados por castrati. A pesquisa musicológica está sendo feita por Yannis François (que realizou esse tipo de serviço para Cencic, Julie Fuchs e Jakub Józef Orliński), e o acompanhamento será da orquestra de instrumentos de época Il Pomo d'Oro (que tocou no ano passado na série da Sociedade de Cultura Artística, em deslumbrante apresentação de Joyce DiDonato), sob direção de Francesco Corti. O lançamento, em dezembro de 2021, será acompanhado de turnê internacional – não custa torcer para que inclua o Brasil. 

Quando o ouvi pela primeira vez, em 2017, no programa Prelúdio, da TV Cultura, estranhei que Bruno se intitulasse sopranista, em vez do termo a que estou mais acostumado, contratenor. Contudo, bastou ele abrir a boca, e tudo ficou explicado: tratava-se de uma voz realmente peculiar, de brilho único nos agudos. “Minha mudança de voz, além de tardia – aconteceu com 15, 16 anos –, foi muito sutil. O que aconteceu foi que o acesso ao registro agudo passou a requerer mais músculo. Os graves que você hoje escuta em minha voz são fruto de trabalho técnico”, explica.

 

Nascido em Santo André, ele sofreu muito bullying na infância por causa da “voz fina”. Sua formação inicial foi como educador musical, na Universidade Federal de São Carlos, e só depois ele virou bacharel em canto lírico pela USP. “Sou produto da universidade pública, e tenho muito orgulho disso, especialmente nesse momento em que ela está sendo sucateada e combatida”, afirma.  Enquanto o cravista Nicolau de Figueiredo iniciava-o nos meandros do estilo barroco (insistindo, inclusive, na adoção do termo sopranista para designar sua voz), Francisco de Campos moldava sua técnica vocal.

Houve experiências no Teatro Amazonas, em Manaus, no Theatro São Pedro, em São Paulo, na academia Canto em Trancoso, do Mozarteum Brasileiro, e a premiação no 14º Concurso Maria Callas antes da travessia do Atlântico, em 2018, onde ele encantou contratenores do quilate de Cencic e de Philippe Jaroussky (outro que já se apresentou várias vezes no Brasil, sempre arrebatando as plateias).

“Quando você pensa em ópera, o que vem primeiro à sua cabeça? A voz ou o gênero? Não podemos deixar que nos limitem a uma caixinha”

Jaroussky andou se aconselhando com Bruno sobre a pronúncia correta do português nas canções brasileiras que incluirá em seu próximo álbum, e escolheu-o para cantar, em março do ano que vem, em Paris, o papel de Abel no oratório Il Primo Omicidio, de Alessandro Scarlatti (1660-1725, siciliano, pai de Domenico Scarlatti), marcando a estreia de Jaroussky como regente, à frente do Ensemble Artaserse.

Em uma trajetória tão vertiginosa, Bruno tem alguns planos ousados – como cantar o papel de protagonista na ópera La Traviata, de Verdi. “Quando você pensa em ópera, o que vem primeiro à sua cabeça? A voz ou o gênero? Não podemos deixar que nos limitem a uma caixinha. Minha ideia é explorar a voz além das caixinhas”, afirma. 

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Hoje sou fã do Bruno, já assisti no YouTube suas apresentações, desejo sucesso para Ele em sua carreira com reconhecimento Internacional, e por ser Brasileiro leva o nome de nosso País.

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