Prefeitáveis

por Luciana Medeiros 11/11/2020

É duro admitir, mas perdemos, gente.

Pelos programas dos quatro candidatos à Prefeitura do Rio mais pontuados nas pesquisas, disponíveis no site do Tribual Superior Eleitoral, a música clássica e a ópera não existem como manifestações artísticas diferenciadas. 

Parece que Eduardo Paes, Marcelo Crivella, Martha Rocha e Benedita da Silva, ou talvez seus grupos de apoio para elaboração de metas e projetos, não acreditam que nossa área de atuação dê votos. 

Dei uma busca nos programas dos prefeitáveis, os registrados oficialmente (com uma colher de chá ao Eduardo Paes, indo ao site dele, porque o do TSE é um flyer), usando os termos música, clássica, erudita, ópera e orquestra. Resultado: zero ópera; zero clássico-erudito; orquestra, só em projeto educativo e em dois dos programas. Música aparece em pontos gerais – no de Benedita, por exemplo: “apresentações musicais, slams, hip-hop, funk, saraus poéticos...”. Os saraus poéticos são nominalmente mencionados, sim. 

Crivella, que menciona os projetos instalados Orquestra nas Escolas e Orquestra Juvenil Carioca – são bons –, faz questão de dizer que a cultura tem que se virar: pretende, preto no branco, “estimular uma sobrevivência autossustentável da produção cultural na cidade do Rio de Janeiro, para que artistas e produtores não sejam dependentes eternos do erário público e de editais que, em diversas gestões passadas foram objeto de direcionamento político e de interesses não republicanos. Para isso, buscaremos sempre criar um ambiente favorável ao florescimento espontâneo de manifestações culturais cidadãs”. Agora vai.

Martha Rocha também busca as orquestras – OSB e Opes, citadas – apenas para ajudar no âmbito educacional. Já Eduardo Paes, no seu site, coloca cultura no item “Demais áreas” mas fala, ainda que vagamente, em “retomar o fomento direto” à cultura. Ampla e vagamente.

Digo isso sem muita surpresa, infelizmente. Quase seis décadas depois da eliminação do ensino da música nas escolas pelos governos militares, uma tragédia nacional, o resultado não poderia ser muito diferente. 

Some-se a isso o empobrecimento da cidade (e do estado), a diluição da potência da Guanabara na fusão com o Estado do Rio; a existência de grande número de funcionários públicos (fomos capital, afinal de contas) que tiveram seus salários achatados por muitos anos; a violência que campeou pelo município, afastando empresas, indústrias, escritórios; e a falta de visão dos governantes.

Deixo por último, mas não por menos importante que seja: a corrupção, claro. Rachadinhas, desvios, propinas são muito pouco rentáveis na produção de um concerto ou na manutenção de uma orquestra (et pour cause... bem, entendedores entenderão). Nossos penta-aprisionados governadores que o digam. Tivemos e temos excelentes gestores culturais. Eventos públicos de música clássica e ópera chamam multidões. Uma cidade com programação clássica atrai congressos e reuniões da elite corporativa. 

Claro que educação, saúde e segurança são o tripé central. Transporte e habitação logo atrás. Mas, só para não dizer que não falei de flores, o Rio cultural e turístico dá emprego e gera lucro. Sim, Carnaval e grandes shows de rock, Réveillon e Maracanã, mas também música clássica e ópera, e balé, pessoal.

Inês é morta, ao menos nesta fase da eleição. No Rio de Janeiro, música clássica e ópera não são dignos de entrar nas campanhas. 

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