Um novo (e interessantíssimo) livro sobre Mozart

por João Marcos Coelho 23/12/2020

O compositor norte-americano Jan Swafford, hoje com 74 anos, estudou artes em Harvard e música na Universidade de Yale. Mas curiosamente não vem se destacando, ao longo das décadas, como compositor, e sim como autor de alentadas e saborosas biografias de outros grandes compositores.

Começou com Charles Ives em 1998. E, nos últimos 22 anos, publicou biografias de Johannes Brahms, Beethoven (publicada no Brasil) e agora, no finalzinho de 2020 outro volume de quase mil páginas, desta vez sobre Mozart. Em todas, aprofundou-se mais do que a vasta bibliografia anterior sobre os primeiros passos, a infância e adolescência de seus biografados. Assim, por exemplo, em seu Beethoven (Editora Amarilys), dedica mais de 100 das 1.045 páginas ao período do compositor em sua cidade natal, Bonn. 

Swafford faz o mesmo agora com outra biografia alentada. Desta vez de Mozart. O livro saiu no início de dezembro na Inglaterra e Estados Unidos (Faber & Faber e Harper), com mais de 800 páginas. Não li o livro ainda. Mas a revista “The New Republic” deste mês traz um trecho particularmente saboroso, em que Swafford descreve em minúcias como o pequenino Mozart, aos 8 anos, compôs sua primeira sinfonia.

Talvez ele floreie um pouco demais as suas narrativas, para torná-las mais atraentes a públicos mais amplos, mas é certo que sempre se baseia em pesquisas rigorosas. Assim, por exemplo, diz que “musicalmente, desde que deixaram Salzburgo, as crianças haviam feito avanços deslumbrantes. A forma de tocar de Wolfgang, escreveu Leopold, ‘tornou-se diferente em todos os pontos’: ‘A minha menina, embora tenha apenas 12 anos, é uma das mais habilidosas instrumentistas da Europa e... meu filho sabe neste oitavo ano de vida o que se esperaria apenas de um homem de 40 anos’.”

Leopold não estava brincando.  A frase acima é de 1764, quando Leopold chegou a Londres com a família disposto a faturar alto na cidade europeia mais avançada – social, econômica e musicalmente. Lá rolavam concertos públicos pagos enquanto no restante da Europa aconteceriam, no máximo, concertos de subscrição até as décadas finais do século XVIII.

Assim que chegaram, deslumbraram a corte inglesa, com Mozart acompanhando a rainha Charlotte em uma ária e improvisando melodias sobre as linhas de baixo de Haendel, além de mil e uma brincadeiras virtuosísticas ao teclado. Foram fartamente anunciados como “prodígios na natureza”. 

Mas num concerto na casa de um conde, em Grosvenor Square, Leopold não conseguiu alugar uma carruagem. Eles foram de liteira, onde só cabiam as crianças. Ele foi correndo ao lado da liteira. Em pleno verão londrino, pegou uma forte gripe, que o deixou uma semana com dor de garganta e febre. 

“Enquanto mamãe cuidava de papai sofredor, as crianças tiveram que encontrar suas próprias diversões. Embora Leopold tenha conversado com sua esposa sobre quem poderia assumir a educação deles se ele morresse, o desastre potencial resultou benéfico para Wolfgang. Para que papai pudesse ter sossego e descanso, as crianças não podiam tocar no teclado. E, para passar o tempo, Wolfgang decidiu escrever uma sinfonia para orquestra completa. Só foi capaz de escrever a peça sem um cravo à disposição porque tinha ouvido absoluto, um talento raro. Alguns músicos têm, a maioria não.” 

Muitos anos depois, sua irmã e parceira musical Nannerl descreveu assim a cena quando seu pai estava gravemente doente: “Para se ocupar, Mozart compôs sua primeira sinfonia com todos os instrumentos da orquestra, especialmente trompetes e tímpano. Tive que transcrever quando me sentei ao seu lado”. Escreve Sawfford: “A obra mais tarde conhecida como Sinfonia nº 1 em mi bemol maior, K. 16, pode ser esta peça, mas provavelmente não – esta última foi de fato escrita em Londres, mas não tem trompetes e tímpano. Em todo caso, após sua primeira tentativa, Wolfgang começou a produzir sinfonias para pequenas orquestras projetadas para seus concertos em Londres com Nannerl”.

Em outubro, o pai devidamente curado, eles voltaram a faturar na corte, em Londres. E no final do ano Leopold mandou gravar seis sonatas para teclado e violino (aqui o cravo é soberano, o violino apenas o acompanha). Wolfgang assina a seguinte inscrição em francês, certamente escrita pelo pai marqueteiro. É uma dedicatória à rainha Charlotte: “Quando a Rainha se digna a me ouvir, eu me entrego a ti e me torno sublime; longe Dela o encanto se esvai (...) um dia lhe oferecerei um presente digno dela... Vou me tornar imortal como Haendel... e meu nome será tão celebrado quanto o de Bach”.

Baba-ovo puro. Detalhes que Swafford lembra em boa hora: “O Bach que ele cita é Johann Christian; e esta é talvez a única vez que a história registra Mozart (embora não seja realmente ele falando) falando em termos de imortalidade de compositores, em que a reputação duradoura de Handel foi pioneira”.

É ou não é saboroso o modo como Swafford escreve? Não reproduzi, mas ele analisa as sonatas. Ou seja, tecnicamente o livro também é bom. E, cá entre nós, nada melhor do que a perfeição de Mozart para nos ajudar na difícil travessia deste para o próximo ano.

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