Prefeito Gustavo Finck decreta estado de calamidade financeira e extingue Orquestra de Sopros da cidade
A Orquestra de Sopros de Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, fundada em 1952 pelo maestro Arlindo Ruggeri, é uma das formações musicais mais antigas do Brasil. Reconhecida como patrimônio histórico, artístico e cultural de Novo Hamburgo, ela é uma das principais referências históricas da música clássica em nosso país. Ou melhor, era! Pois na sexta-feira passada a Prefeitura comunicou o corte total do repasse anual que mantém a orquestra (clique aqui para ler a notícia).
É que a Prefeitura de Novo Hamburgo decretou “estado de calamidade financeira” no município. A decisão foi comunicada em coletiva de imprensa pelo prefeito Gustavo Finck (PP), acompanhado pela secretária da Fazenda, Michele Antonello, a secretária de Gestão, Governança e Desburocratização, Andrea Schneider Pascoal, e o procurador-geral Vanir de Mattos. Segundo informações do site da Prefeitura, “a medida se dá em razão das dívidas acumuladas ainda no ano passado que superam o valor de R$ 200 milhões”.
A suposta crise financeira ganhou ares de disputa política quando a prefeita da gestão anterior, Fátima Daudt (ex-PSDB e atual MDB), em entrevista à Rádio Gaúcha publicada no Jornal Zero Hora, afirmou que “todas as contas foram pagas”. “O que está sendo dito precisa ser comprovado [...] Este número que foi jogado [R$ 200 milhões], ele precisa ser dito de onde saiu, porque eu também quero saber de onde saiu esse número absurdo. Não é só dizer que tem um déficit de tantos milhões e não comprovar.”
Com o decreto do estado de calamidade financeira, o prefeito ganha poderes para enfrentar a crise anunciada. Entre as principais medidas estão o bloqueio de 25% de todo o orçamento e a possibilidade de renegociação dos débitos direto com os fornecedores.
Se evidentemente o equilíbrio financeiro é fundamental – e especialmente na esfera pública! –, o anúncio do estado de calamidade financeira ecoou a disputa política e certa dose de demagogia. O comunicado publicado no site da Prefeitura fala em “dívida milionária”, “enfrentamento da crise fiscal”, “rombo nas contas do Município”, acessos contábeis não fornecidos durante a transição e de dívidas que foram geradas por serviços sem empenho. Além disso, apresenta passos já dados para a contenção da crise como “cortes de despesas já implementados” e “medidas para aumentar a arrecadação sem aumentar impostos”.
É um discurso tecnocrático de forte viés liberal. E é um discurso míope, pois não enxerga a função do estado justamente em áreas que não têm o apelo do mercado – cultura, educação, saúde, promoção social, meio ambiente e por aí vai.
Ato contínuo, uma das primeiras medidas adotadas pela Prefeitura foi a extinção da Orquestra de Sopros de Novo Hamburgo. A orquestra e três polos do Núcleo de Orquestras Jovens são mantidos pelo Instituto Arlindo Ruggeri por meio de um termo de parceria com a Prefeitura, que prevê um repasse anual no valor de R$ 1,2 milhão. E esse repasse foi agora sumariamente cancelado.
A decisão da extinção da orquestra é um enorme equívoco. A Orquestra de Sopros de Novo Hamburgo, além de sua atuação para a difusão da música na região, faz parte de um sistema pedagógico de formação musical. Por meio de orquestras jovens, dezenas de estudantes têm acesso gratuito a aulas de instrumentos como violino, violoncelo, contrabaixo e instrumentos de sopro. E música, como está comprovado em inúmeros estudos, é ferramenta para socialização, reforço de autoestima, crescimento de autoconfiança, desenvolvimento da memória e da concentração, música desperta a criatividade e promove a sensibilidade e afetividade. Portanto, a manutenção do financiamento não é um mero capricho estético ou elitista, é uma necessidade intrínseca ao bem-estar do tecido social da comunidade de Novo Hamburgo, é um investimento no futuro. E é um investimento econômico!
É importante chamar a atenção, também, para um fato concreto que foge à compreensão: por que um decreto de calamidade financeira que decide pelo bloqueio de 25% do orçamento leva sumariamente a cortar toda a verba para a manutenção da orquestra? Ora, 25% não é 100%! Autoridades de bom senso e movidas por ações construtivas sentariam à mesa para comunicar um corte de 25%, ou R$ 300 milhões. Já seria um desastre... mas ainda daria para argumentar pelo lado da responsabilidade financeira.
No comunicado sobre a extinção da orquestra que a Prefeitura publicou em seu site, lê-se que “o Executivo está à disposição para auxiliar a OSNH na captação de recursos junto à iniciativa privada”. Essa é outra manobra amplamente usada pelos governos para reduzir ou cortar recursos para a manutenção e funcionamento de órgãos culturais. O que significa “estar à disposição para auxiliar”? É o contrário! Se o governo não tem recursos próprios para bancar os órgãos culturais de sua cidade, que busque ele os recursos junto à iniciativa privada e as organizações sociais “estarão à disposição” para viabilizar isso.
Eu já conhecia a Orquestra de Sopros de Novo Hamburgo, mas nunca visitei a cidade. Novo Hamburgo tem aproximadamente 220 mil habitantes e um IDH - Índice de Desenvolvimento Humano de 0,747, que está na faixa “alto” (tenho certeza de que o trabalho com a música contribui para isso, já que um dos parâmetros do IDH é a educação).
Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o PIB de Novo Hamburgo foi de R$ 10,037 bilhões em 2021 (último dado disponível). E de acordo com a Lei Orçamentária Anual de Novo Hamburgo para 2025, a secretaria de Cultura receberá R$ 31,5 milhões, representando cerca 1,6% do orçamento total de R$ 2 bilhões (é uma boa taxa, creio que poucas cidades no Brasil alcançam este índice – São Paulo não chega a 1%).
Temos no Brasil uma legislação específica, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que estabelece limites para a dívida pública dos municípios e estados. Pelo que pesquisei – economistas me corrijam! – não há um limite específico de dívida municipal atrelado diretamente ao PIB, mas como referência, cidades financeiramente saudáveis geralmente mantêm sua dívida pública abaixo de 10% do PIB municipal. Portanto, se o PIB de Novo Hamburgo é de R$ 10 bilhões, sua dívida começaria a preocupar se ultrapassasse R$ 1 bilhão. Pelo que o prefeito afirma, ela está em R$ 200 milhões.
Talvez seja realmente muito. E sei que há também a relação da dívida com as receitas líquidas e o comprometimento com despesas fixas, que devem levar à necessidade de cortes e contenção de gastos.
Mas, certamente, tudo isso não justifica o sacrifício de um projeto histórico que leva cultura e humanidade para a população de Novo Hamburgo (por um custo bem baixo).
Não se fecha orquestras, não se fecha escolas, não se fecha museus, não se fecha bibliotecas, não se fecha teatros. E esta não é uma questão ideológica, já que infelizmente há exemplos que vão da esquerda à direita. Não creio que as autoridades de Novo Hamburgo queiram entrar na lista e manchar o currículo com a extinção de um dos principais patrimônios culturais da cidade.
Torçamos para que o prefeito e sua equipe encontrem outras saídas para debelar a crise e voltem atrás na decisão de extinção da Orquestra de Sopros de Novo Hamburgo. Seria, aí sim, uma ação de responsabilidade econômica, social e política a ser comemorada!

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