Outros caminhos para a música clássica

Associação Coral da Cidade de São Paulo promove ação comunitária que leva música clássica e ópera para novos públicos

Fui ao Shopping Bourbon em São Paulo na última quinta-feira (dia 27 de fevereiro), e não fui para passear ou fazer compras. Fui para assistir a um concerto. Sim! Desde alguns anos a Associação Coral da Cidade de São Paulo e a Orquestra Acadêmica, que têm direção do maestro Luciano Camargo, mantêm ali, no Teatro Bradesco, uma temporada regular, com uma programação que inclui até encenações de ópera (leia aqui texto de Jorge Coli que assistiu a uma La bohème no ano passado).

A associação, criada há mais de 15 anos, é uma iniciativa independente de caráter comunitário, inspirada no modelo do “Wiener Singverein”, associação vienense de canto. Ela reúne pessoas interessadas em música – de iniciantes a profissionais –, para cantar, fazer e difundir música. O coral, que é o centro de tudo, é formado por dezenas de pessoas – o programa lista quase 130 cantores! O projeto todo é iniciativa do maestro Luciano Camargo, formado e doutorado pela USP, com experiência profissional na Alemanha e em outros países. 

Além de proporcionar para leigos e amadores a oportunidade de cantar e tocar, a Associação Coral da Cidade de São Paulo também busca criar novos públicos para a música clássica e a ópera – e sem a fórmula simples, e talvez pouco eficiente, de apresentar arranjos sinfônicos para hits do pop ou da música para cinema: a programação é exclusivamente erudita! Em entrevista à Revista CONCERTO, em dezembro de 2019, o maestro Luciano Camargo falou da escolha dos repertórios líricos: “Como a temporada lírica é realizado no Teatro Bradesco, dentro de um shopping, temos consciência de que atingimos um público que, em grande medida, está assistindo a uma ópera pela primeira vez. Com essa perspectiva, nos preocupamos em oferecer títulos emblemáticos, que possam proporcionar uma compreensão ampla do universo da ópera. Ao mesmo tempo, sabemos que a produção de óperas na cidade vive um momento difícil, e que o público tradicional da ópera espera montagens novas e inovadoras. [...] Nossas montagens então combinam uma proposta de qualidade musical apurada com uma nova visão sobre as encenações”.

O espetáculo de abertura da temporada começou com a estreia do primeiro ato da ópera Édipo Rei escrita pelo maestro Luciano Camargo, com libreto de Rodolfo Garcia Vásquez baseado na obra de Sófocles. Foram quatro trechos, intercalando árias e cenas corais, sob regência do próprio Camargo e a participação dos solistas Sebastião Teixeira, Jabez Lima e Oady Lohan. É uma partitura tonal vazada em uma escrita coral-sinfônica neorromântica. Há trechos interessantes e Camargo é hábil no tratamento do coral, criando bonitos efeitos.

Mas a peça da noite foi a impactante cantata profana Carmina Burana, de Carl Orff (1895-1982), escrita para orquestra (com dois pianos e percussão), coros e solistas, que reuniu no palco mais de 150 artistas. A obra foi dirigida pelo maestro Andrey Ivanov, em uma interpretação que cresceu ao longo da execução. Os destaques foram o barítono Sebastião Teixeira, com voz bem timbrada e muita segurança no papel, e a jovem soprano Jéssica Leão, de voz cristalina e boa projeção. Participou também o tenor Jabez Lima. Atuaram igualmente bem as cantoras Ísis Cunha, Deborah Marchini e Caroline Raquel, que, em figurinos campestres, formaram o coro piccolo. 

Também dentro do espírito comunitário que permeia o projeto, os espetáculos da Associação Coral da Cidade de São Paulo são financiados pela receita obtida dos ingressos vendidos de suas apresentações. Camina Burana ainda segue em cartaz até amanhã. E, em fim de abril e início de maio, o programa terá, entre outras obras, o Bolero de Ravel. Clique aqui para conhecer o projeto e adquirir ingressos.

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