Acervo CONCERTO: 'O elixir do amor', de Donizetti

por Redação CONCERTO 06/12/2019

Texto de Lauro Machado Coelho na Revista CONCERTO de novembro de 1997

Para a temporada da primavera de 1832, o diretor do Teatro Cannobbiana, de Milão, contava com uma ópera nova de determinado autor. Este, porém, roeu a corda no último minuto. Gaetano Donizetti, cujo prestígio se fixara em 1830 com Anna Bolena, aceitou vir em seu socorro. Mas, como o tempo disponível era pouquíssimo -apenas quatorze dias! -, o libretista Felice Romani e ele tiveram de adaptar um libreto já existente: Le Philtre, de Eugène Scribe que, no ano anterior, fizera sucesso no Opéra-Comique de Paris, com música de Daniel Auber. Mas refundiram a ação, acrescentando-lhe situações que o original não tinha.

Na biografia que escreveu do marido, Emitia Branca, a mulher de Romani, conta que, apesar dessas condições difíceis, o libretista e o compositor de L'Elisir d'Amore só divergiram num ponto. Romani achava que Donizetti interromperia desnecessariamente a ação se insistisse em inserir na ópera a melodia de uma romança que escrevera pouco antes. Mas como o músico fazia questão, acabou escrevendo, para o tenor, o texto da ária "Una furtiva lacrima" - que se tornou a predileta do público desde a estréia da ópera, em 12 de maio de 1832, coberta de um sucesso que o próprio Donizetti não esperava. Triunfo que se confirmou em Gênova, no ano seguinte; e sobretudo em setembro de 1835, no Scala, quando Adina tornou-se um dos grandes papéis no repertório de Maria Malibran (para a qual Donizetti compôs a cabaletta "Nel dolce inculto" - incluída por Joan Sutherland em sua gravação de 1970).

O libreto do Elisir é um dos melhores, no teatro cômico do século XIX, pela naturalidade com que retrata a vida camponesa, pelo equilíbrio entre as passagens cõmicas e sentimentais, e o cuidado na caracterização das personagens. Ao contrário da maioria das óperas bufas da época, aqui há duas personagens centrais que evoluem psicologicamente, no decurso da trama: Nemorino, que vai perdendo a insegurança e aprendendo a se afirmar; e Adina, que descobre ser preferível o amor constante do ingênuo campônio à beleza superficial do vaidoso militar Belcore.

A partitura de Donizetti, em que não há um único momento mais fraco, alterna com habilidade melodias alegres, saltitantes, e temas carregados de emoção. Há nela verdadeiras jóias: o trecho em que Adina diz ao desconsolado Nemorino que nunca há de amá-lo ("Chiedi all'aura"); a grande ári cômica "Udite, udite o rustici", com que o charlatão Dulcamara se apresenta; a cena em que Adina, finalmente, admite amar Nemorino ("Prendi: per rue sei libero"). E, é claro, a ária do tenor que, com seu acompanhamento para fagote obbligato, e as modulações de tonalidade maior para menor, sugerindo as oscilações de ânimo da personagem, conquistou merecidamente o favor do público. Tudo isso contribuiu para que o Elisir- sua ópera mais freqüentemente representada enquanto ele era vivo - se tornasse a primeira obra de Donizettl a firmar-se inarredavelmente no repertório básico de todos os teatros.

Caetano Donizetti (1797-1848) [Reprodução de uma  gravura de MerckeL]
Caetano Donizetti (1797-1848) [Reprodução de uma  gravura de Merckel]

 

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