Lisette Oropesa: “Bidu Sayão era uma soprano coloratura maravilhosa”

por Luciana Medeiros 10/10/2019

Os elogios a Lisette Oropesa são unânimes: no palco lírico, a voz de soprano coloratura, tecnicamente impecável, é de tirar o fôlego, emitindo agudos aparentemente sem esforço, subindo e descendo escalas íngremes e controlando as sutilezas dos gorjeios. Como se não bastasse – e hoje, certamente a voz apenas não basta –, a figura esbelta, carismática, a fotogenia e o desembaraço cênico dessa americana filha de cubanos têm acelerado sua subida aos primeiros escalões da ópera no mundo. 

Esta semana, nos dias 12 e 13, os cariocas verão Lisette ao vivo, em sua primeira vinda à América do Sul: ela é a terceira das Grandes Vozes, série do Theatro Municipal do Rio que efetivamente traz o primeiro time da ópera para concertos com orquestra e master classes. Ela faz ainda um ensaio/minirrecital na Escola de Artes Visuais do Parque Lage na sexta, 11, às 15h, com a presença de 50 crianças de 7 a 12 anos de escolas municipais que integram a Sinfônica Jovem do Rio de Janeiro.

No fim de setembro, o crítico do New York Times se rendeu à sua Manon, em cartaz no Metropolitan. “Só Lisette já vale o ingresso (...) O papel parece feito sob medida para ela”, escreveu Joshua Barone, acrescentando que sua composição da bela ambiciosa e traiçoeira de Massenet passa longe da superficialidade e que, apesar de já entregar na ária inicial a complexidade de sentimentos de Manon, consegue dar mais e mais nuances ao papel à medida em que a história avança. 

“Ela é simplesmente uma mulher que quer fazer omelete sem quebrar os ovos”, diz a cantora em entrevista por e-mail ao Site CONCERTO – aqui numa tradução livre da expressão “to have her cake and to eat it too”. “Não há nada errado com sua ambição, mas ela é desonesta e injusta com Des Grieux”, prossegue, completando o pensamento com um olhar crítico e afiado para o paternalismo dos enredos: “Há muitos personagens assim na ópera, só que geralmente são masculinos. Aí temos uma mulher fazendo isso e todo mundo acha difícil gostar dela.”

Lisette nasceu em Nova Orleans. Sua mãe, Rebecca, é professora de música e cantora. Num post recente do Facebook, a soprano atribuiu a ela sua escolha profissional – a princípio, aliás, estudou flauta, até fazer um teste para o programa de Canto da Universidade de Louisiana, onde passou a estudar com o tenor Robert Grayson. “Tenho orgulho da minha ascendência cubana, do amor pela música, da alegria visceral e da capacidade de falar vários idiomas”, ela responde, quando indagada sobre a herança familiar. “Mas certamente o trabalho duro é parte da minha vida, fui criada para ser assim. Essa é minha maior herança.” Ganhou um dos mais importantes prêmios para jovens cantores, o Richard Tucker, esse ano. 

Lisette Oropesa em cena de ‘Manon’, no Metropolitan Opera House de Nova York [Divulgação / MetOpera]
Lisette Oropesa em cena de Manon, no Metropolitan Opera House de Nova York [Divulgação / MetOpera]

O programa que ela apresenta no Municipal do Rio faz jus à escolha de repertório do bel canto que vem consagrando suas aparições: Massenet, Puccini, Bellini, Gounod – abrindo com Regnava nel silencio, de Lucia de Lammermmor. A ópera de Donizetti é um ponto de inflexão sua história, com performances delirantemente aplaudidas na Royal Opera House e no Teatro Real de Madrid em 2017 e 2018; ano passado, ela foi aclamada em Paris ao substituir de última hora Diana Damrau em Les Huguenots de Meyerbeer. 

Mas foi no Metropolitan Opera que ela completou sua formação, no programa de três anos que o brasileiro Atalla Ayan também cursou (“conheço e adoro Atalla e também Paulo Szot”, ela acrescenta). Dos papeis de destaque na casa nova-iorquina, cantou a Lisette de La Rondine, de Puccini (2009), Nanetta do Falstaff de Verdi (2013), Sophie do Werther de Massenet (2014) e Gretel da ópera de Humperdinck (2017).

Nesta temporada 2019-2020, encarna ainda Violetta Valéry em La traviata, de Verdi, em fevereiro. Sua trajetória e suas escolhas de repertório lembram imediatamente Bidu Sayão, que disse mais de uma vez: “Detesto essas personagens de criadinhas, mocinhas bobas. Queria fazer a Butterfly e outros mergulhos dramáticos, mas preciso preservar minha voz”. O sentimento não é estranho a Lisette: “Sayão era uma coloratura espetacular, amo sua voz e nosso repertório tem muito em comum, é verdade. Entendo perfeitamente o que dizia e pretendo cantar papeis dramáticos um dia. Meu sonho é a Tosca. É possível, se a voz mudar, quem sabe?”

Bidu era conhecida por manter estrita disciplina, outro ponto em comum com Lisette. “Disciplina, por mais contraditório que possa parecer, traz muita liberdade: quando a técnica está sob controle podemos fazer muito mais, sem receio de errar. Importantíssimo praticar, estudar, estar no controle para poder esquecer tudo isso e confiar no todo. É um equilíbrio a conquistar.” Além da rotina de estudo quase diário, a soprano se dedica à corrida várias vezes por semana: “exercício físico é fundamental na minha vida e estou treinando para uma meia-maratona”, revela, “mas volto a dizer que é igualmente importante se exercitar e descansar”.

No Rio, vai fazer certamente algo parecido com uma meia maratona: a master classe aconteceu dia 9, o encontro com as crianças é na sexta e ela sobe ao palco do Theatro no domingo, às 17h. A regência da OSTM será do convidado Yuval Zorn, israelense que mantém também uma carreira de pianista. Dia 22, Lisette retoma o papel de Manon no Metropolitan, para mais duas récitas. “Eu acho que a ópera precisa unicamente de mais informação e divulgação, e não necessariamente updates nas montagens”, ela conclui. “Penso que é isso o que amamos, uma fuga do mundo moderno em direção a um outro universo. Vamos aproveitar!”

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