A soprano Marília Vargas fala sobre o projeto de edição e gravação de ornamentações feitas pelo músico, morto há 5 anos, para árias de Händel
No último dia 6 de julho, completaram-se cinco anos da partida de Nicolau de Figueiredo. Músico de talento extraordinário, Nicolau atuava como cravista, organista, pianista e regente especializado no repertório barroco. Nascido em São Paulo, mudou-se para a Europa nos anos 1980 para estudar no Conservatório de Genebra, onde conquistou o Primeiro Prêmio de Virtuosismo. Mais tarde aperfeiçoou-se com mestres do quilate de Gustav Leonhard. Na década de 1990 viveu na Basileia, onde foi professor na Schola Cantorum Basiliensis. E, de 2004 a 2007, foi professor de canto barroco no Conservatório de Paris.
Ele também desenvolveu expressiva trajetória artística, vencendo concursos internacionais e colaborando com grupos de excelência do universo da música antiga e barroca, como Europa Galante, Orchestra of the Age of Enlightenment e Concerto Köln. Um dos maiores cravistas brasileiros de todos os tempos, Nicolau de Figueiredo participou de gravações de referência, como óperas barrocas dirigidas por René Jacobs, nas quais atuou no baixo contínuo, além de ter feito a preparação dos cantores.
Essa carreira internacional prestigiada não impediu seu retorno ao Brasil, em 2011, onde atuou como cravista, maestro e professor na Escola Municipal de Música. Vítima de um infarto aos 55 anos, sua morte deixou o meio artístico brasileiro desolado e órfão de um profissional com tamanha especialidade e competência.
“As gravações no baixo contínuo e a preparação de cantores são trabalhos um tanto anônimos para o público em geral”, explica a soprano Marília Vargas, que foi amiga próxima de Nicolau. “No entanto, Nicolau era respeitadíssimo no meio da música antiga, fundou cursos na Schola Cantorum Basiliensis e na Ópera de Paris. Foi um cravista incrível e suas gravações tornaram-se referência.”
Quando Nicolau de Figueiredo faleceu, Marília intermediou com a família a doação de sua biblioteca, que permanecia na Europa, para a Escola de Música do Estado de São Paulo (Emesp). Ela e outros colegas iam trazendo os volumes pessoalmente a cada viagem. Para a surpresa de todos, dentro de uma edição das nove Árias alemãs de Händel (1685-1759) havia um manuscrito do próprio Nicolau com ornamentações para oito das peças. Marília afirma que Nicolau era conhecido por suas ornamentações de arias da capo e seu trabalho neste campo está registrado em inúmeras das mais famosas gravações deste repertório.
“Já em 2017 eu, Juliano Buosi e Fernando Cordella começamos a apresentar algumas dessas árias, e veio a ideia de fazer um registro. Resolvemos publicá-lo tanto em forma de gravação quanto disponibilizando o fac-símile e uma edição das ornamentações”, lembra. “Foi nossa forma de não somente homenagear esta grande figura da música barroca internacional, mas de proporcionar ao público em geral o acesso a este importante material de estudo”, explica Marília. “Como se faz uma boa ornamentação de uma aria da capo? Pouca gente sabe como fazer, portanto o papel didático dessa publicação é enorme”, complementa.
No ano passado, parte das frustrações da pandemia transformaram-se em realização quando os três se juntaram para finalmente realizar a gravação no Estúdio Monteverdi, de André Mehmari, que apoiou a iniciativa. Além de Marília Vargas (canto), Juliano Buosi (violino barroco) e Fernando Cordella (cravo), o projeto conta com a participação de Ricardo Kanji (traverso), Natália Chahim (oboé barroco), Guilherme de Camargo (teorba), Alberto Kanji (violoncelo barroco) e William Takahashi, que cuidou da manutenção e afinação do cravo.
Feito de forma independente e até o momento viabilizado por meio da boa vontade dos envolvidos, o projeto conta com o interesse de um público mais amplo para poder se concretizar. Será constituído de um CD (em formato digital e físico) e um CD-Partitura (em formato físico), com uma edição impressa das ornamentações editadas e em fac-símile. Por isso, foi lançada em maio uma campanha de financiamento coletivo na plataforma Catarse, que visa fazer a pré-venda do material, possibilitando o pagamento de todos os custos.
A campanha pode ser acessada aqui. E entra agora na fase final. Por conta disso, no sábado, dia 7 de agosto, às 19h, um concerto online dentro do projeto Bach-Brasil mostrará parte das peças que estarão no CD, com a participação de Marília, Juliano, Fernando e do violoncelista Diego Biasibetti. O espetáculo poderá ser visto aqui.
É um projeto importante tanto pelo ineditismo do material quanto pela homenagem bonita e afetiva de amigos que conviveram e admiraram este artista raro, celebrando seu legado e não deixando passar em branco os cinco anos de sua partida.
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