Jakub Józef Orlínski fascina plateia da Sala São Paulo em recital memorável

Para amantes do canto lírico, 2022 será lembrado como o ano das vozes polonesas em São Paulo. Depois do espetacular recital do tenor Piotr Beczala, agora foi a vez de sermos subjugados pelo contratenor Jakub Józef Orlínski, em concerto extra-assinatura da Sociedade de Cultura Artística.

Não, o termo “subjugados” não é um exagero. A partir do momento em que proferiu a frase “Oi, São Paulo”, e mesmo antes de emitir a primeira nota, Orlínski, em seu terno verde de grilo falante, já tinha o público no bolso.

Prestes a completar 32 anos, Orlínski teve uma ascensão meteórica, desfrutando de fama global instantânea graças à velocidade da comunicação na internet. Fenômeno de marketing? Muito possivelmente. Mas com um fundamento muito sólido no talento.

Afinal, ele mesmeriza o público sem fazer a menor concessão no repertório – que pode ser obscuro até mesmo para os fãs mais ardorosos da assim chamada “música antiga”. Orlínski trouxe ao Brasil o programa do disco Facce d’amore (Faces do amor), com nada menos do que oito primeiras gravações em que os diversos afetos que têm o amor como gatilho são explorados por diferentes autores barrocos.

Sim, Händel está lá, assim como Cavalli e Hasse, mas quantas pessoas presentes à Sala São Paulo na noite de segunda-feira que iniciou o mês de agosto já tinham ouvido falar em nomes como Matteis, Predieri ou Boretti? Devo confessar que, para mim, tratava-se de desconhecidos.

O contratenor e os músicos do Il Pomo D'Oro durante concerto na Sala São Paulo [Revista CONCERTO]
O contratenor e os músicos do Il Pomo D'Oro durante concerto na Sala São Paulo [Revista CONCERTO]

“Desconhecidos” que Orlínski trata com a maior das intimidades. Sua voz é um instrumento de grande extensão, com um legato imaculado e timbre translúcido. Se há intérpretes que por vezes sacrificam a articulação do texto em prol da pureza da linha do canto, aqui não é o caso: a linha está mais do que preservada, e pode-se anotar os versos das árias apenas ao ouvi-lo cantar, pois o domínio do italiano é perfeito, e a dicção não poderia ser mais clara. Adicione-se a isso afinação precisa, agilidade nas coloraturas e um fôlego aparentemente inesgotável, além, obviamente, da elegância do fraseado, informada por um apuradíssimo senso de estilo: a voz é “lisa”, despida de vibrato, e a ornamentação, límpida e de bom gosto.

Fosse dotado “apenas” das qualidades acima elencadas, Orlínski já seria um artista de primeiríssima linha. Porém, o todo formado pelo contratenor inclui mais do que a soma destas partes. Ele possui pleno domínio do palco, e aquela qualidade esquiva a definições, que costuma-se chamar de carisma. Sem incorrer em excessos, utiliza recursos cênicos com precisão cirúrgica – e, na verdade, atua essencialmente com a voz. Que outro cantor, por exemplo, arrancaria risos da plateia em meio à cadência de uma ária, simplesmente pela forma de entoar melismas? 

Na realidade, o encanto da apresentação de Orlínski foi unir a extroversão e teatralidade da ópera ao refinamento e intimidade do fazer camerístico. Mais do que ser acompanhado, pode-se dizer que ele dialogava com o excelente grupo de instrumentos de época Il Pomo d’Oro, que já tinha causado furor por aqui em 2019, ao se apresentar com Joyce DiDonato.

Estava lá, novamente, o flamejante e extrovertido russo Maxim Emelyanchev, que, além de dirigir a execução musical do cravo, sacou ainda uma flauta doce. Com a refinadíssima búlgara Zefira Valova no primeiro violino, o sexteto de cordas operava prodígios de afinação e dinâmica, evocando as inúmeras matizes dos afetos barrocos que emolduravam a vocalidade imaculada do contratenor.

Ironia: ao tocarem repertório “antigo”, Orlínski e Il Pomo d’Oro apontam para as mais estimulantes e refrescantes qualidades do que deve ser um fazer musical contemporâneo.

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