Três vezes Almeida Prado

por Redação CONCERTO 09/11/2022

A programação musical da semana traz três obra marcantes do compositor José Antônio de Almeida Prado em três programas diferentes. A Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo toca, nos dias 10, 11 e 12, Pequenos funerais cantantes; no dia 11, o Quarteto da Cidade de São Paulo apresenta o Réquiem sem palavras; e, nos dias 11 e 12, a Filarmônica de Minas Gerais interpreta Arcos sonoros da catedral Anton Bruckner

Almeida Prado foi uma das principais vozes da criação brasileira no século XX. Ele próprio dividia sua carreira em algumas fases específicas, ao longo das quais manteve relação com importantes correntes estéticas. 

A primeira se deu nos anos 1950, seu período infantojuvenil; no começo dos anos 1960, veio a fase guarnieriana, quando estudou com o compositor e maestro Camargo Guarnieri e escreveu obras a partir de elementos do folclore brasileiro. A terceira fase, entre 1965 e 1969, é marcada pelos primeiros estudos com Gilberto Mendes, passando a incorporar elementos da vanguarda internacional em suas criações.

Entre 1969 e 1973, Almeida Prado viveu sua fase universalista: é o período em que esteve na Europa, tendo aulas com Olivier Messiaen e Nádia Boulanger. A fase ecológica ou astronômica vem em seguida, entre 1973 e 1983, com obras que tinham como inspiração a natureza e os astros. A partir de 1983, o compositor passaria a viver sua fase pós-moderna, em que começa a lançar mão de diferentes possibilidades de escrita, escolhidas de acordo com o sentido das obras que idealizava. Com o tempo, até sua morte, em 2010, esse procedimento foi sendo refinado em busca do que ele definia como a preocupação de manter um diálogo próximo com o público.

Pequenos funerais cantantes, que a Osesp interpreta na Sala São Paulo sob regência de Neil Thomson, foi escrita para orquestra, coro e barítono e soprano solistas. Ela tem como base um poema de Hilda Hilst e pertence à terceira fase da carreira do compositor, que em depoimento à Academia Brasileira de Música falou sobre sua gênese.

“No final de 1968, Edino Krieger teve a genial ideia de montar o Festival da Guanabara. Foi um escândalo, todos nós éramos mocinhos, todo mundo tinha 25 anos e eu recebi o edital que dizia que não tinha limite de idade, qualquer compositor podia entrar com uma obra, com duas, com três, com quatro, não era necessário pseudônimo. Eu me lembro então que já tinha pronta uma obra para piano e orquestra serial, à minha maneira, aquele serial que tem dó maior no meio, chamava-se Variações concertantes. Já tinha outra obra que se chamava O Salmo da selva, que eu nem sei onde foi parar, eu perdi essa obra, vai ver que um dia eu vou encontrar no porão do Municipal do Rio. O Salmo da selva era um fuá ecológico pós Guarnieri, um pouco Villa-Lobos, um pouco Messiaen, uma sopa!”, contou.

“E fiz uma obra nova que se chamava Pequenos funerais cantantes, sobre um texto da Hilda Hilst, uma grande poetisa e escritora brasileira, que havia se inspirado em um poeta português, que havia morado no Rio há algum tempo e chamava-se Carlos Maria de Araújo. Esse poeta, ao voltar para Portugal, em 1967, sofreu um acidente muito trágico na Bahia da Guanabara; logo que o avião deixou o Rio, caiu no mar. Morreram todos, inclusive ele. Aterrorizada com esse acidente, porque ele havia telefonado para ela do aeroporto antes de morrer, ela pegou fragmentos dos poemas do Carlos Maria de Araújo e teceu Pequenos funerais cantantes ao poeta Carlos Maria de Araújo, como se cada quadrinha fosse uma oração ao poeta. A obra dela era dividida em “corpo de trevas” e “corpo de luz”. Escolhi a primeira série de quadrinhas, de pequenos poemas, e musiquei. Eu me lembro que a ideia da obra nasceu de eu tentar imitar na minha obra o ruído das turbinas a jato. Eu fui à Congonhas, em São Paulo, e fiquei ouvindo como é que o avião acionava as turbinas. Observei que tinha um início, depois ele fazia um glissando, depois aquilo aumentava e o avião subia. Fiz no prelúdio a descrição do avião se esquentando, depois ele saindo com toda força da pista, a explosão no ar e o cair no mar. É uma coisa que eu consegui, realmente explicita, parece que se está ouvindo realmente a gravação de um avião a jato. Isso causou um impacto muito grande no júri, na época, eu usar um ruído de jato sem ser música eletrônica; depois, o coro entra em um falso gregoriano atonal e cada pequeno movimento é uma quadrinha do texto. A obra termina com o mesmo motivo gregoriano atonal e muito sóbria, uma orquestração muito sóbria, o coral é muito sóbrio.”

Já o Réquiem sem palavras nasceu em 1989, já em sua fase pós-moderna (a obra integra o programa Identidade Brasileira V, do Quarteto da Cidade de São Paulo). Durante apresentação no Festival de Campos do Jordão, em 2010, o compositor lembrou como lhe surgiu a ideia de um réquiem para um quarteto. 

“Eu recebi um convite do governo de Israel para passar cinco meses em Jerusalém, dando aulas sobre música brasileira. Eu já havia escrito um quarteto de cordas, em 1968, e tinha vontade de fazer o segundo. Mas achava pernóstico dar a ele o nome de Quarteto nº 2. Comecei então a pensar em um réquiem para soprano, barítono e quarteto de cordas. Só que uma coisa me incomodava: se era para usar a voz, então tinha que fazer um réquiem como o de Berlioz, com quatrocentos músicos no palco. Então, fiquei apenas com o quarteto. Mas usei mesmo assim a rítmica do canto gregoriano, a acentuação do texto, mas sem a presença de cantores”, explicou. 

A Filarmônica de Minas Gerais, por sua vez, apresenta os Arcos sonoros da catedral Anton Bruckner em um programa muito bem construído. O grupo, com regência de José Soares, vai interpretar uma abertura do próprio Bruckner, em diálogo com a homenagem que Almeida Prado faz em sua peça ao compositor. O repertório tem ainda A ascensão da cotovia, de Vaughan Williams, e A ascensão: quatro meditações sinfônicas, de Messiaen. Os diálogos aqui se multiplicam. Almeida Prado estará ao lado de seu professor, influência marcante em sua trajetória. E a obra de Messiaen, com cada uma das meditações inspiradas em textos sacros, possibilita pontos de contato com a religiosidade, fundamental na criação e Bruckner.

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Almeida Prado [Divulgação/Unicamp]
Almeida Prado [Divulgação/Unicamp]

 

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