Passagem de Alessio Bax e seus amigos pelo Brasil é marcada pela diversidade do repertório
Músicos em turnê internacional normalmente organizam um programa para ser repetido em duas ou três récitas, mas o pianista italiano Alessio Bax quis fazer diferente. Ele nos trouxe um repertório amplo para seus quatro dias de apresentações pela temporada Cultura Artística – um total de cinco horas de música, se contarmos todas as obras.
A proposta pode ser impressionante para nós, mas já é normal para Bax e os sete músicos que completam seu grupo. Como disse o contrabaixista Nabil Shehata na entrevista que antecedeu a apresentação de ontem, a passagem pelo Brasil é como um “menu degustação” do que sempre acontece no Incontri in Terra di Siena, festival toscano do qual Alessio Bax é diretor artístico.
Quem não compareceu às três últimas apresentações do grupo, ocorridas nesta semana, perdeu. Perdeu La valse, de Ravel, que Bax tocou junto com a esposa, a pianista canadense Lucille Chung. Perdeu a Sonata Kreutzer, de Beethoven, com o violinista Daishin Kashimoto. E também perdeu o Quinteto op. 44, de Schumann, com Natalia Lomeiko (violino), Adrien La Marca (viola) e Paul Watkins (violoncelo).
Falemos do programa de ontem, dia 20, que abriu com Langsamer Satz, quarteto composto por Anton Webern. Obra de juventude, escrita aos 22 anos, ela nos assusta. Não pelo pontilhismo dodecafônico radical que virou marca registrada da poética de Webern, mas sim pelo emprego de um tonalismo expandido sobre uma estrutura que facilmente remete a um Brahms, um Schumann. Uma espécie de susto às avessas.
É comum que intérpretes foquem no aspecto romântico deste quarteto e exagerem nas pitadas de glissandos e rubatos, o que não foi o caso aqui. Lomeiko, Kashimoto, Watkins e Lawrence Power (à viola), ofereceram uma interpretação muito bem equilibrada, que fez jus ao discurso musical.
Langsamer Satz foi renegado por Webern, que à época já alçava outros voos. Ainda que, de fato, não chegue aos pés do que o compositor faria posteriormente, a obra não deixa de ser bela e bem realizada, revelando maestria no tratamento das vozes e no emprego do leque de sonoridades da formação. Ontem, o cuidado com as transições entre as linhas melódicas de cada instrumento saltou à escuta, esmero que só é possível entre músicos que sabem ouvir o grupo.
O dó menor expandido e introspectivo de Anton Webern deu lugar ao dó maior bem-humorado e clássico do Quinteto op. 29 nº2 de Beethoven. Mais um “susto às avessas”: quem esperava a sisudez que estampa a figura do Beethoven tardio se deparou com um frescor propriamente mozartiano, com direito a ornamentos na reexposição da forma que chegaram até a arrancar alguns risos discretos da plateia. Os momentos de tensão, no entanto, já estão presentes, como uma semente do que Beethoven desenvolveria posteriormente.
Beethoven opta por trabalhar imitativos entre as vozes em seu quinteto. Além disso, o compositor também explora possibilidades a partir da inclusão de mais uma viola, ontem executada por Adrien La Marca. O destaque foi o último movimento que, não mais que de repente, lega ao primeiro violino um verdadeiro trabalho de solista, o que foi bem resolvido por Daishin Kashimoto.
Após o intervalo, Alessio Bax subiu ao palco com Nabil Shehata para completar a formação do Quinteto D.667, de Schubert. A Truta, como é conhecida, é também uma obra de juventude – Schubert a compôs com a mesma idade que Webern tinha quando fez seu Langsamer Satz.
Assim como Beethoven opta por adicionar uma viola em seu quinteto, Schubert experimenta incluir o contrabaixo. O instrumento aumenta a tessitura das cordas e livra o piano de cuidar dos baixos o tempo todo. Essa liberdade para o piano Schubert soube bem explorar, colocando o instrumento muitas vezes no registro agudo.
O público, que chegou a aplaudir entre os movimentos do Quinteto de Beethoven, quebrando o protocolo, esteve frio e demasiadamente comportado para a obra de Schubert. Difícil estabelecer exatamente o que houve, mas é possível que o quinteto tenha sido ofuscado pelas outras duas peças que o antecederam. Ainda que seja longa, com cinco movimentos, A Truta de Schubert é harmonicamente mais simples do que as obras de Beethoven e Webern.
É também possível que o grupo estivesse um pouco desconectado para esta obra, o que é justificável – os músicos completaram três dias de execução de um repertório intenso, em outro país. Ou talvez tenha sido a presença marcante do piano após duas peças com apenas cordas, fato que tem absolutamente nada a ver com a execução de Bax, que ocorreu muito bem, mas é mais relacionado ao resultado tímbrico: a dinâmica entre cordas é bem diferente daquela com o piano adicionado à formação.
Investigações à parte, o saldo final da apresentação, certamente, foi positivo. E ainda há oportunidade de assistir à última apresentação de Alessio Bax e seus amigos no dia 23, domingo, em São Paulo. No programa eles executarão, entre outras obras, o Trio elegíaco nº2, op.9 de Rachmaninov e Souvenir de Florence, de Tchaikovsky. No dia 24, eles tocam no Theatro Municipal do Rio de Janeiro pela série O Globo/Dellarte de Concertos Internacionais.
![Os pianistas Alessio Bax e Lucille Chung [Divulgação]](/sites/default/files/inline-images/w-alessio.jpg)
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