Secretaria se exime de comentar a solução Fiemg-Sesi para Sala Minas Gerais 

por Nelson Rubens Kunze 11/04/2024

Acordo pretende transformar espaço projetado e construído para ser sala de concertos em palco multiuso; imbróglio em torno da Sala Minas Gerais tem também componente econômico

A Secretaria de Cultura e Turismo de Minas Gerais (Secult-MG), dirigida por Leônidas de Oliveira do governo Romeu Zema (Novo), se exime de comentar a solução Fiemg-Sesi anunciada publicamente no último fim de semana e que pretende transformar a Sala Minas Gerais em um palco multiuso. Em resposta a questionamentos da Revista CONCERTO sobre o acordo entre Codemig e Fiemg-Sesi, a Secult enviou um comunicado em que informa: “A Sala Minas Gerais é de propriedade da Codemge e cabe a ela, na forma da lei, fazer a gestão do espaço”. A Codemig, que assina os contratos da Sala Minas Gerais, é uma subsidiária da Codemge.

A breve nota da Secult (leia a íntegra no fim desta matéria) finaliza afirmando: “A cada ano se negocia o aditivo do contrato, que está válido até dezembro de 2024 e deverá ser renovado conforme ajustado entre Filarmônica e Governo de Minas. O Governo de Minas reforça o compromisso no cumprimento do contrato por meio da secretaria de Estado de Cultura e Turismo e as tratativas já começaram, como acontece anualmente”.

A Revista CONCERTO também enviou perguntas para a Codemig, proprietária da Sala Minas Gerais. A empresa afirma que, em dezembro de 2023, foi informada pela Secult-MG “da intenção do ICF em devolver a Sala Minas Gerais”. Como o contrato de permissão de uso expiraria em 12 de janeiro de 2024, sem tempo hábil para uma solução de gestão para o espaço, a empresa “solicitou que fosse assinado um termo aditivo por 6 meses para que tivesse tempo de encontrar um parceiro que pudesse fazer a gestão compartilhada da Sala”. O aditivo do termo de permissão de uso contém um parágrafo que prevê uma hipotética transferência da gestão da Sala Minas Gerais.

Apesar de ter assinado o aditivo de permissão de uso enviado pela Codemig, com data de validade até 13 de julho de 2024, o Instituto Cultural Filarmônica afirma que nunca teve a intenção de sair da Sala Minas Gerais. Diomar Silveira, diretor presidente do Instituto Cultural Filarmônica (ICF), diz que, em dezembro de 2023, quando foi feita a renovação do contrato de gestão com a Secretaria de Cultura, o contrato foi negociado pelo prazo de apenas um ano, para que o ICF pudesse negociar, ao longo de 2024, outro aditivo com valor maior do que o que foi oferecido pelo governo. “O repasse estabelecido no contrato, de R$ 19,5 milhões, cobre 70% do valor da folha de salários, que é igual a R$ 27 milhões, e apenas 45% do total das despesas que compõe o orçamento anual, que é de R$ 43 milhões neste ano de 2024”.

Diomar reforça, que “nunca houve a intenção da Filarmônica em sair da Sala Minas Gerais ou de entregar a sala a qualquer outro gestor até porque o Contrato Gestão estabelece a garantia da gestão da Sala até dezembro de 2024. E temos a expectativa, como sempre o foi, de que uma renovação do contrato mantenha a premissa lógica e original de que a Sala Minas Gerais é a sede, a casa da Filarmônica.”

A solução Fiemg-Sesi vai desvirtuar a vocação da Sala Minas Gerais, projetada e construída para ser uma sala de concertos.

A solução Fiemg-Sesi vai desvirtuar a vocação da Sala Minas Gerais, projetada e construída para ser uma sala de concertos. O novo acordo de cooperação técnica afirma que o equipamento deverá ser um “local multimodal apto a receber eventos de diversas naturezas” e que deverá realizar “eventos e ações diversas voltadas para a exposição e a valorização da cultura mineira, com ênfase nos segmentos artístico e culinário, utilizando os espaços e recursos disponibilizados pela Sala Minas Gerais e pela Mineiraria”. 

O imbróglio em torno da Sala Minas Gerais tem também um componente econômico. Sem caixa, o estado de Minas Gerais tem de saldar uma dívida que tem com a União de cerca de R$ 160 bilhões. Na nota emitida pela Secult, ela afirma que os recursos anuais pagos à orquestra pelo contrato de gestão, R$ 19,5 milhões, “representam 60,72% do total de recursos estaduais disponíveis para o custeio da Secretaria, via tesouro estadual”. Nesse contexto, a solução do novo acordo pode parecer vantajosa para a Secult, pois seria mais econômica a gestão de uma Sala Minas Gerais multiuso em parceria com a Fiemg-Sesi do que a de uma orquestra sinfônica de padrão internacional. 

De qualquer forma, chama a atenção o alheamento da Secult em relação aos destinos da Sala Minas Gerais. Como proponente da política cultural do estado e contratante da Organização Social Instituto Cultural Filarmônica, era de se esperar que ela manifestasse a defesa da vocação clássica da Sala Minas Gerais e do projeto da Filarmônica de Minas Gerais conforme consta no contrato de gestão.

Outra dúvida que emerge é de como a gestão de um mesmo objeto, a Sala Minas Gerais, pode ser firmada em dois contratos paralelos e independentes: o contrato de gestão original da Secult com o ICF e agora o Acordo de Cooperação Técnica entre a Codemig e a Fiemg-Sesi com a interveniência da Secult. Como é possível propor uma “gestão compartilhada” da Sala Minas Gerais se o ICF nem foi formalmente comunicado menos ainda consultado? 

O acordo entre a Codemig e a Fiemg-Sesi, cuja suspensão foi recomendada pelo Tribunal de Contas do Estado na última terça-feira, também será tratado em uma audiência pública da Comissão de Cultura da Assembleia Legislativa de Minas Gerais no próximo dia 16 de abril. Oxalá se resguarde a vocação clássica da Sala Minas Gerais e o extraordinário trabalho da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais.

Leia abaixo a íntegra do comunicado da Secult:

“O Governo de Minas, por meio da Secretaria de Estado de Cultura e Turismo, esclarece que: 
A Sala Minas Gerais é de propriedade da Codemge e cabe a ela, na forma da lei, fazer a gestão do espaço.
O contrato do Governo de Minas com o Instituto Filarmônica está vigente desde julho 2020. Atualmente foi fixado em  R$ 19,5 milhões anuais. 
Esse montante representa  60,72% do total de recursos estaduais disponíveis para o custeio da Secretaria de Estado da Cultura eTurismo, via tesouro estadual, conforme Decreto de Programação Orçamentária (Decreto nº 48.777, de 9 de fevereiro de 2024).
A cada ano se negocia o aditivo do contrato, que está válido até dezembro de 2024 e deverá ser renovado conforme ajustado entre Filarmônica e Governo de Minas. O Governo de Minas reforça o compromisso no cumprimento do contrato por meio da secretaria de Estado de Cultura e Turismo e as tratativas já começaram, como acontece anualmente.”


PS.: Sobre o mesmo assunto, reproduzo abaixo dois comentários publicados nos últimos dias no Site CONCERTO.

Marino Galvão Jr., diretor executivo do Instituto Curitiba Arte e Cultura (Icac), entidade responsável pela gestão de diversos equipamentos da prefeitura de Curitiba: “Uma rápida busca na internet e surgem diversas notícias da vontade do governo de Minas de privatizar a Codemig, que é a dona da Sala Minas. Diferente de outros exemplos como a Sala São Paulo, que pertence ao governo do estado, a Sala Minas tem acionistas por meio da Codemig. É uma situação muito particular na qual tanto governo de Minas quanto os acionistas da empresa devem ser cobrados. Afinal, lá atrás a empresa cedeu o terreno e construiu a sala sob quais condições? Tirar o direito de gestão da sala, previsto no contrato de gestão/termo de parceria é sufocar e inviabilizar tanto a Orquestra quanto o ICF. Mais do que isso. É também um golpe no modelo de gestão por meio de Organizações Sociais de Cultura. Talvez o mais significativo desde a criação do modelo em 1998”.

Fabiana Pimentel, ex-diretora da Orquestra Sinfônica da Bahia (Osba): “Infelizmente não é apenas meu estado, Bahia, que carece de uma real política pública para a música de concerto. Isso requer do poder público conhecimento sobre o campo, visão de conjunto, articulação entre projetos e investimentos e, sobretudo, um plano de longo prazo cujos resultados sejam monitorados e avaliados pelos agentes envolvidos e pela cidadania que é quem paga toda essa conta. Sem isso o que vemos é apenas investimento populista, personalismos movidos a vaidades, supervalorização de interesses pessoais em lugar do interesse público e descontinuidades cíclicas. É completamente incoerente o cenário de Minas. O governo investe milhões para construir uma sala que talvez seja a mais qualificada do país para a execução e fruição da música de concerto e agora, por não fazer desse espaço uma mola propulsora para uma real política pública para a música de concerto, penaliza a Filarmônica. Ainda como diretora executiva da OSBA, em 2019, fui gentilmente recebida por Diomar Silveira e a equipe da Filarmônica. E o quadro que se assevera agora já existia: o contrato com o Estado não garantia nem a folha e a gestão da Sala Minas já vivia em disputa. Fiquei profundamente admirada com a capacidade do Instituto Cultural Filarmônica em manter tanta qualidade artística mesmo enfrentando um contexto de gestão tão desafiador. Se, como a Bahia, Minas Gerais não tivesse tantas empresas interessadas em usar Leis de Incentivo para custear suas contrapartidas sociais a conta jamais fecharia. Cinco anos depois, quase três deles atravessado por uma pandemia, a grande ideia do Governo do Estado é dificultar ainda mais que a Filarmônica faça seu trabalho não parece lógica. A menos que, de fato, a ideia seja descontinuar a Filarmônica. Algo que eu custo a acreditar”.

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Sala Minas Gerais (divulgação, Eugenio Savio)
Sala Minas Gerais (divulgação, Eugenio Savio)

 

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