Eu tinha ouvido falar do documentário Maria by Callas como excelente. Mas eu já conhecia os principais registros visuais da grande diva, tão incompreensivelmente poucos: a filmagem de sua apresentação na ópera de Paris em 1958; a escuríssima La traviata de Lisboa; os recitais com Georges Prêtre, em Londres, Amsterdão e Paris; o filme Medea, de Pasolini, e mais algumas entrevistas ou capturas de palco. Parecia bem suficiente, e pensei que esse documentário recente não poderia trazer muita coisa nova, e fui deixando para depois. Estava errado. Assisti ontem e a emoção me tomou do começo ao fim.
Não só há muitos inéditos – incluindo aí versões coloridas, como as cenas da apresentação parisiense de 58, com a primeira parte da “Casta diva” em cores deslumbrantes, mostrando o fúlgido vermelho do vestido de Callas. (Fico em dúvida sobre o termo colorização, mencionado pelo diretor num trecho que cito mais adiante: aquele arquivo da Norma, aquele vermelho escarlate do vestido, foram coloridos a posteriori, ou foram cores originais recuperadas? Não fica explicitado, mas as cenas adquirem nova grande beleza).
Há também entrevistas, captações de camarim, das filmagens de Medea, e tantas outras. São encadeadas de maneira muito feliz. O princípio de eliminar um narrador, e fazer o documentário inteiro com a voz de Callas, seja diretamente, nas declarações captadas pela câmera, seja por meio de suas cartas, lidas de modo comovente por Fanny Ardant (na versão francesa, por Joyce DiDonato na versão em inglês). Um ponto a ser fortemente sublinhado é a beleza literária desses textos confidenciais. Maria Callas escrevia esplendidamente.
O diretor, Tom Volf, fez aqui seu primeiro longa. Não era um fanático por ópera, nem sabia quem era Callas! Conta que, quando morava em Nova York, assistiu a uma apresentação de Maria Stuarda, de Donizetti. “Eu não sabia nada sobre arte lírica, mas essa ópera me deu vontade de ouvir mais. Quando cheguei em casa, naveguei na internet em busca de outras interpretações de Donizetti e descobri La Callas. O choque foi tão violento que passei a noite ouvindo todo o seu repertório, li praticamente tudo o que havia de escrito sobre ela e, muito rapidamente, conheci pessoas que a conheceram. Minha primeira intuição foi dar voz novamente a ela e colocar La Callas de volta no centro da história de sua vida, cuja lenda está crivada de inverdades. Ela deixou a imagem de uma diva caprichosa. É ridículo. Seu temperamento impetuoso muitas vezes sublinha a exigência e a perfeição de um trabalho preciso e rigoroso.”
Além disso, o que surge é um ser de fabulosa elegância aristocrática. Cada um de seus gestos, em cena ou fora dela, tem um requinte raramente alcançado. É uma nobreza natural, sem afetações, em que as sublimes criações dos grandes costureiros que se mostraram tão inspirados para criar a moda dos anos de 1960, e que ela escolhe com um gosto sem falhas, dão a impressão de encontrar seu ideal destino. Callas, ela própria, mesmo sem abrir a boca para cantar, era uma obra de arte.
Esses aspectos humanos e pessoais surgem do projeto realizado com perfeição, cuja ideia é expressa pelo diretor: “Em cada encontro [com pessoas que conviveram com Maria Callas], era o humano que sobressaía, revelando-me um momento, uma memória, e muitas vezes a emoção surgia. Assumo o aspecto verdade subjetiva, a narração, a evocação. Lembro-me de Robert Sutherland contando a respeito de um ensaio com ela; sua emoção era tão tangível, tão vibrante que pude sentir quanta aura essa mulher emitia, e como ela continuava a irradiar. A cada encontro, a maioria das pessoas abria suas gavetas e mostrava fotos pessoais, cartas de Maria, filmes super8 feitos durante uma tarde com amigos, gravações áudio... Olhei tudo isso durante um ano e meio e percebi que o conjunto era novo e valioso. Na maior parte do material, Maria se contava”.
Toda essa documentação, em diversos suportes e estados diferentes de conservação, aparecem com sabor de autenticidade. Foi preciso, no entanto, um longo trabalho para torná-la apresentável: “Com todo esse material, eu queria privilegiar o filme porque ele captura melhor a luz. Em seguida, um trabalho colossal de digitalização e restauração foi realizado para obter qualidade de alta definição. Depois de trabalhar no elemento original, busquei a harmonia para valorizar sempre o arquivo escolhido. A colorização também participa desse desejo de encontrar os suportes originais, como olhamos as fotos coloridas daquelas noites. Um trabalho de ourives foi realizado para devolver às cores originais do arquivo seus matizes mais exatos, e tornar a imagem mais íntima e mais próxima do espectador”.
Enfim, um ponto essencial: é impossível não permanecer com um sentimento provocado pelo filme, e que dura muito depois dele, que é o de uma profunda comoção, a mais impressiva verdade dentre as muitas que Callas by Maria nos traz.
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Comentários
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O documentário se chama …
O documentário se chama Callas by Maria ou Maria by Callas? É narrado por Fanny Ardant ou Joyce di Donato? E onde pode ser visto?
Prezada Juliana, muito…
Prezada Juliana, muito obrigado por suas observações. Você tem razão, o filme se chama “Maria by Callas”. A leitura na versão francesa é de Fanny Ardant (e de Joyce DiDonato na versão em inglês). Já fizemos as alterações no texto. O filme pode ser visto online no Telecine Play. Saudações
Obrigada! Descobri que…
Obrigada! Descobri que também tem disponível no Youtube por 3,90 o aluguel.