Carla Caramujo interpreta ‘Cartas Portuguesas’, de Ripper, com a Petrobras Sinfônica

por Luciana Medeiros 26/10/2022

Soprano portuguesa fala sobre concerto com a Petrobras Sinfônica, no qual vai interpretar ainda a Sinfonia nº 4 de Mahler

Quando a soprano Carla Caramujo subir ao palco do Theatro Municipal do Rio de Janeiro nessa sexta, dia 28, estará fechando um curioso circuito operístico entre o Brasil e Portugal. Carla, uma das artistas mais apreciadas e respeitadas da ópera na Europa, encarna no Rio de Janeiro a portuguesa Mariana Alcoforado, autora das belas cartas de amor e solidão no confinamento da clausura, no século XVII, em Cartas Portuguesas. E acaba de estrear, no Centro Cultural Belém de Lisboa, a versão sinfônica – e encenada – de Domitila, o monodrama em torno da relação da Marquesa de Santos com o imperador D.Pedro I. As duas obras são assinadas por João Guilherme Ripper.

“Fui brasileira lá e agora sou portuguesa aqui”, diverte-se Carla, recém-chegada ao Rio, e já em seu primeiro ensaio com a Petrobras Sinfônica. “Cantei Cartas Portuguesas em sua estreia em Lisboa, no Gulbenkian, em dezembro de 2020. Era um momento muito difícil, em plena pandemia, e senti que a minha clausura enquanto artista era muito próxima da clausura da minha personagem, Mariana Alcoforado, num mar de emoções prestes a explodir, mas tínhamos que controlar e esperar que passasse. Nesse sentido, foi muito especial.”

Aqui, a estreia carioca da obra encomendada em 2018 pela Fundação Gulbenkian e pela Osesp ganha mais significado ainda: será a primeira performance brasileira com público. “A estreia, na Sala São Paulo, e uma segunda montagem em Minas Gerais foram transmitidas pela Internet”, lembra Ripper. “Embora a origem dela seja anterior à pandemia, não há como desvincular a clausura do confinamento.” 

As cartas de Sóror Mariana Alcoforado (1640-1723), escritas para o oficial Noel de Chamilly, que conheceu em visita ao Convento de Beja, no Alentejo, foram publicadas já em 1669. São um clássico da paixão e do sofrimento em tempos de clausura forçada de jovens mulheres. Carla sente, assim como o compositor, que “Mariana continua sendo uma metáfora importante para várias questões: a mulher, a liberdade, a expressão, a resiliência". "Ela é uma mulher que não se deixa abater e transforma sua dor e as limitações que lhe são impostas em algo sublime, espiritual.” Por outro lado, ressalta, é também o símbolo da opressão das mulheres por uma sociedade que as confina. “Enclausuradas em pleno século XX, em muitos sentidos – vemos mulheres serem mortas por não usar um véu na cabeça.”

Domitila, composta em 2000, também se apoia em uma correspondência de amor. “São óperas epistolares, ambas”, comenta Ripper. “E agora a Marquesa de Santos ganhou roupa nova, e belíssima, ao estrear em Portugal em 16 de outubro, com incríveis figurinos de Nuno Esteves, direção de Carlos Antunes e a Orquestra Metropolitana de Lisboa com regência de Tobias Volkmann. O sentimento de ver uma obra de 22 anos com um fôlego invejável é de muita alegria. A produção encenada foi levantada em cinco dias apenas, com perfeição.”

A Petrobras Sinfônica tem, nesta sexta, regência do seu diretor musical Isaac Karavbtechsky – outra alegria para João Guilherme Ripper. “Foi Isaac quem encomendou Piedade, minha ópera sobre Euclides da Cunha e Ana de Assis, há dez anos, um impulso decisivo na minha carreira na criação lírica.”

O maestro e Carla trabalham juntos pela primeira vez. “Achei perfeito termos as Cartas e, em seguida, que o maestro Isaac traga a Sinfonia n° 4 de Mahler. Independentemente da linguagem musical, são duas obras que se espraiam num plano muito espiritual, com Mariana Alcoforado cada vez mais sublimando sua paixão carnal pela devoção a Deus.” 

Carla tem uma agenda repleta nesse fim de ano: já em novembro estará no Uruguai para dois concertos e, em Portugal, prepara uma versão de Viagem a Reims, de Rossini, além de dois oratórios: o Te Deum de Dvórak e o Gloria de Poulenc. “Nos últimos dias desse ano, estarei no palco do CCB abrindo a garrafa de champanhe da Contessa di Folleville de Reims.” Uma merecida celebração. 

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Carla Caramujo na estreia de 'Cartas Portuguesas' em Portugal [Reprodução/YouTube]
Carla Caramujo na estreia de 'Cartas Portuguesas' em Portugal [Reprodução/YouTube]

 

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