Neste final de semana o Theatro São Pedro apresentou o resultado de seu primeiro Atelier de Composição Lírica. Ainda no ano passado, foram selecionados via edital três compositores e três libretistas, que tiveram liberdade para desenvolver música e argumento de suas óperas. Foi assim que nasceram O presidento, de Gabriel Xavier e Lara Duarte; EnTre (CAcOS), por Marina Figueira e Isabela Rossi; e A fome dos cães, de Willian Lentz e Carina Murias.
Com duração de praticamente um ano, o programa se iniciou com uma série de encontros envolvendo atividades teóricas e práticas, nas quais os selecionados foram orientados por Flo Menezes (composição) e em dramaturgia e criação de libreto por Alexandre Dal Farra e João Luiz Sampaio. Os participantes também tiveram workshops com cantoras e cantores profissionais.
O presidento discute questões de gênero candentes de forma irônica, no limite entre encampar um discurso radical e apresentá-lo de forma sarcástica. Na trama, a tal “ditadura gayzista-comunista” é finalmente implantada e persegue pobres homens brancos heterossexuais.
Musicalmente arrojada (sem ser hermética) e dinâmica, vai alternando climas à medida em que a ação se desenrola. Ainda que discretamente, é evocada a figura de um cão, Totó – até o animal se acha no direito de ir pra cima do pobre homem hétero.
Beirando o fantástico, EnTre(CacOS) tem a linguagem musical mais eclética entre as três, indo do atonal ao jazz. O enredo, por sua vez, não se apresenta tão claramente. A “velha”, uma pobre trabalhadora explorada, tem como companhia um cão que, se não aparece em cena, divide o protagonismo, já que podemos ouvir sua voz.
Finalmente, em A fome dos cães, o animal aparece já no título, integra a narrativa e em cena fica exposta sua carcaça. O tema central é a fome, e está claro que falamos do Brasil atual, em que ossos de animais são vendidos no mercado ou doados para serem disputados entre famintos. Corroborando a dureza do assunto, a linguagem musical é a mais árida dentre as três óperas, e um desconforto perpassa todo o enredo.
O espetáculo teve direção musical de Leonardo Labrada, que regeu a Orquestra do Theatro São Pedro, direção cênica de Alexandre Dal Farra, cenografia de Fernando Passetti, figurino de Awa Guimarães, iluminação de Nicolas Caratori e maquiagem de Tiça Camargo. As sopranos Manuela Freua e Laiana Oliveira e o barítono Marcelo Ferreira compuseram o elenco, que ainda contou com os atores Edlene Sousa e Flow Kountouriotis.
As três óperas dialogam com temas atuais; mais ainda, tratam diretamente de questões do Brasil atual. Por isso mesmo são duras, por vezes até agressivas. Evidente que, mais do que o resultado – bastante interessante, por sinal –, o que se destaca é a importância de um projeto voltado à formação lírica, preparando jovens profissionais para atuarem na criação da ópera contemporânea, dando-lhes ferramentas para discutir, pensar e colaborar com o desenvolvimento do gênero. Isso sem falar no privilégio que os compositores e libretistas participantes desfrutam não apenas no período de formação, mas sobretudo na possibilidade de trabalhar suas obras com encenador, orquestra e cantores profissionais.
A iniciativa é louvável, e já sabemos que haverá continuação: as inscrições para a próxima edição do Atelier de Composição Lírica se encerraram há pouco e nos próximos dias devem ser anunciados os selecionados para a segunda edição.
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