Simone Menezes comanda Orquestra do Theatro São Pedro; leia a entrevista

por João Luiz Sampaio 11/10/2019

A maestrina brasileira Simone Menezes rege neste final de semana a Orquestra do Theatro São Pedro em um programa que aproxima obras de Maurice Ravel, Astor Piazzolla e Heitor Villa-Lobos. Do primeiro, toca Mamãe ganso; do segundo, trechos da ópera Maria de Buenos Aires (com a mezzo soprano Juliana Taino); e, do terceiro, as Bachianas brasileiras nº 7

Natural de Brasília, Menezes vive hoje na França, e tem desenvolvido carreira na Europa e na Ásia, além de trabalhar com artistas como o maestro Paavo Järvi. Criou recentemente, ao lado de colegas músicos, um grupo, o Ensemble K. E conquistou o segundo lugar do Concurso de Regência Mawoma, em Viena.

Na entrevista a seguir, ela fala das apresentações do final de semana, sobre sua trajetória e sobre como jovens artistas podem construir espaço para suas carreiras.

Simone Menezes [Divulgação]
Simone Menezes [Divulgação]

Você poderia falar um pouco a respeito do programa do concerto com a Orquestra do Theatro São Pedro? Qual a ideia por trás da união desses três autores?
O ponto comum entre eles foi a França. Os três viveram e beberam da influência francesa, cada um de uma maneira peculiar, e com o desejo de fazer uma música que refletisse sua própria história. Villa-Lobos chegou a ter contato com Ravel, mas se deu conta de sua brasilidade, embora tenha incorporado elementos da música francesa, como as cores e um modo mais orgânico de pensar o ritmo. Piazzolla foi aluno de Nadia Boulanger e ouviu dela: o que você faz é muito bom, mas agora é hora de procurar a sua música. São três assinaturas particulares, mas que se cruzam, que bebem em elementos franceses, como a paleta de cores e a orquestração sofisticada.

O que Maria de Buenos Aires nos revela a respeito de Piazzolla?
Ela nos revela mais uma faceta dele. Piazzolla dizia que, quando as pessoas começavam a entendê-lo, ele já estava mudando. Ele se dava o direito de mudar a cada instante. O direito de se arriscar em obras mais modernas e depois retornar ao tango. E essa ópera talvez seja a mais modernista das suas obras. Até mesmo por causa da temática. Maria é uma prostituta e a forma como ele constrói ela e as demais personagens é muito interessante. É uma ópera surrealista, mas que mantém uma assinatura Piazzolla. Um movimento lembra trilhas de filmes de terror. Já a fuga, linda, é como se fosse sua versão de Bachiana, mas com uma síncopa tangueira. 

Você hoje vive na Europa, onde criou o Ensemble K. Qual o objetivo do grupo?
Estou há três anos e meio na Europa e tenho trabalhado bastante com orquestras diferentes e em vários projetos. Mas, um ano atrás, eu e um grupo de artistas sentimos a necessidade de ter um ensemble. O que me inspirou individualmente foi perceber o quão cosmopolita eu era em função de ter vivido em São Paulo, Paris, Londres. E a todos nós, perceber como nossa visão era mais aberta do que a visão de um ensemble tradicional europeu. A Europa tem uma tendência a dividir as coisas, um grupo é contemporâneo, o outro é barroco. Mas algumas instituições já entendem que vivemos em uma época em que não dá para pensar de forma separada. É preciso que um ensemble saiba fazer várias coisas em um único concerto, com propostas transversais. Aqui os grupos ainda carregam com ferro a tradição germânica, é difícil programar autores latinos, americanos, hispânicos, japoneses, em muitos sentidos os programas nesses lugares são mais ecléticos do que na Europa. Nossa pianista é romena, o clarinetista é espanhol, as cordas são da Bélgica. E então criamos o K. E, na temporada do ano que vem, vamos trabalhar o conceito de heranças.

No Brasil, você já havia criado a Camerata Latino-Americana. O mercado nem sempre é simpático ao jovem artista, em especial instituições mais antigas, que parecem muitas vezes girar em torno dos mesmos nomes. Criar grupos é hoje uma necessidade para quem está começando?
Não sei se essa é uma verdade absoluta. É verdade no mercado brasileiro, que é um mercado bastante pequeno. Um país maior que a Europa tem menos orquestras do que Paris e seus arredores. Nesse contexto, é natural que as instituições queiram se proteger e trabalhar com os mesmos nomes, mais seguros. Nos Estados Unidos, existe um aspecto mercadológico muito forte, e um jovem músico empreendedor tem outro espaço. E, na Europa, você consegue acesso às instituições quando tem uma validação, um concurso, um trabalho com um grande nome. Eu tenho trabalhado bastante. Esse ano vou reger durante uma semana no Conservatório de Paris, em 2021 vou realizar um projeto na Philharmonie de Paris em torno de Philip Glass e Villa-Lobos. O mercado é maior e as oportunidades, também. Quanto à criação de grupos, justamente porque o mercado brasileiro é menor, às vezes é a única maneira de criar oportunidades. Há muito espaço para plantar no Brasil e precisamos desse espírito desbravador. A camerata tinha essa ideia. A criação do K, por sua vez, não foi para criar mercado, mas para criar espaço para uma proposta artística autoral. Necessidades diferentes geram respostas diferentes.

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