Boas notícias que vêm do interior

por Jorge Coli 30/06/2025

Concerto confirmou não apenas o amadurecimento da Orquestra de Piracicaba, mas também o potencial do modelo de descentralização musical por iniciativas locais

Um dos fenômenos mais significativos para a vida musical no estado de São Paulo tem sido a multiplicação de orquestras sinfônicas em diversas cidades do interior. O mais das vezes elas têm o apoio de administrações municipais completado por empresas locais esclarecidas. Esses conjuntos vêm alcançando um aprimoramento técnico e artístico que elevam a patamares muito altos.

Testemunho desse progresso foi o concerto a que pude assistir sexta-feira, dia 27, em Piracicaba. Acompanhei a reestruturação da orquestra piracicabana feita por Jamil Maluf há oito anos. Com bons músicos, ela se apresentava no teatro Erotides de Campos, Engenho Central, mas esbarrava na acústica seca daquele auditório. No Teatro Municipal Dr. Losso Neto, sua sede hoje – cuja acústica excepcional oferece clareza e evidência sonora –, ela desabrocha em todas as suas belas cores. 

A orquestra da Piracicaba evoluiu também. Sua sonoridade está mais refinada, mais sutil, sensível e precisa. Respondendo atenta às intenções do maestro, atinge um nível que a situa entre as excelentes formações sinfônicas do Brasil.

O concerto a que assisti foi conduzido pelo maestro convidado Paulo de Paula, titular da Orquestra de Indaiatuba. Esse intercâmbio de maestros entre orquestras paulistas é sem dúvida uma prática valiosa: ela enriquece a experiência dos músicos por meio de diferentes perspectivas de interpretação. 

O programa caiu como uma luva tanto para a orquestra quanto para o maestro. Exigindo elegância e finura, ele pôs a prova as qualidades mais delicadas dos intérpretes.

Paulo de Paula rege em passos de gato, por assim dizer: sem precipitação, sem pressões desnecessárias, sem peso, privilegiando as transparências, revelando detalhes e sustentando a coerência do fluxo musical.

Na Sinfonia nº 2 de Beethoven, o maestro fez brilhar a bela ductibilidade das cordas – e que cordas admiráveis possui a Orquestra de Piracicaba!

Dos violinos aos contrabaixos tudo era fluido e cristalino. O lirismo do Largheto surgiu de efeitos delicados. As elegantes, melancólicas e quase dolorosas relações entre as cordas e as madeiras, as belas intervenções dos metais, tudo se tecia à perfeição do modo o mais sedoso. O Scherzo surgiu perfeitamente homogêneo e a energia do Allegro molto final, sem perder a clareza estrutural, contagiou o público.

A segunda obra do programa foram as Danças norueguesas de Grieg, na orquestração de Hans Sitt. A interpretação navegou à vontade sobre os contrastes entre os trechos exuberantes e os momentos mais líricos, com vivacidade rítmica ou fraseados poéticos, exaltando o cromatismo harmônico tão característicos do compositor, que equilibra a rusticidade folclórica com o refinamento da escrita orquestral. 

Para encerrar, a Valsa do Imperador, de Johann Strauss II — cujo bicentenário de nascimento se celebra este ano —, capturou a graça vienense sem afetação, com rubatos naturais numa concepção muito refinada, que fazia justiça ao rei da valsa, admirado por Brahms.

Justamente, como bis, a Dança húngara nº 5 de Brahms arrebatou a plateia com seu ímpeto vigoroso, levando a palmas do público que acompanharam o ritmo incisivo. 

O concerto confirmou não apenas o amadurecimento da Orquestra de Piracicaba, mas também o potencial desse modelo de descentralização musical por iniciativas locais, onde qualidade artística e presença da grande música para públicos locais se reforçam mutuamente.


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A Sinfônica de Piracicaba com o maestro Pedro de Paula [Divulgação]
A Sinfônica de Piracicaba com o maestro Pedro de Paula [Divulgação]

 

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