Acervo CONCERTO: A vida e a obra de Alberto Ginastera

por Redação CONCERTO 01/04/2024

Texto de Camila Fresca publicado na edição de abril de 2016 da Revista CONCERTO

Um dos grandes nomes da composição latino-americana, o autor argentino, que completaria 100 anos neste mês, foi do nacionalismo quase ingênuo a uma linguagem ousada e sofisticada

Alberto Evaristo Ginastera nasceu em Buenos Aires, em 11 de abril de 1916, filho de pai catalão e mãe italiana que trabalhavam na agricultura. Ainda criança, teve as primeiras aulas de música e, mais tarde, ingressou no Conservatório Nacional de Música de Buenos Aires. Logo começou a compor e, aos 18 anos, ganhou seu primeiro prêmio, com as Piezas infantiles para piano. Seguiram-se algumas outras obras, incluindo um concerto para piano e uma sinfonia, as quais mais tarde o compositor descartaria de sua produção por julgá-las imaturas. Ao se formar no conservatório, em 1940, estreou o balé Panambi (1937), além das Danças argentinas para piano, que lhe projetaram nacionalmente. Como jovem professor, Alberto Ginastera ensinou no Liceo Militar General San Martín. Em 1945, viajou para os Estados Unidos com uma bolsa da Fundação Guggenheim, de Nova York, tendo aulas com Aaron Copland em Tanglewood e entrando em contato com músicos de outros países, como Heitor Villa-Lobos. 

De volta a Buenos Aires, Ginastera abraçou a causa da música nacionalista e fundou, junto a outros compositores, a Associação Nacional dos Compositores Argentinos, o Conservatório La Plata de Buenos Aires e o Centro Latino-Americano para Estudos Musicais Avançados, do qual se tornou diretor em 1963. Daí em diante, em paralelo à composição, Ginastera desenvolveria um currículo acadêmico respeitável, acumulando cargos em várias instituições, incluindo o conselho internacional de música da Unesco e a reitoria da Universidade Católica Argentina. 

Em 1968, ele se mudou para os Estados Unidos e depois para a Europa, estabelecendo-se em Genebra, na Suíça, a partir de 1970. De vida pessoal discreta, Alberto Ginastera casou-se com a pianista Mercedes de Toro em 1941. Divorciaram-se em 1965 e, em Genebra, conheceu e casou-se com a violoncelista argentina Aurora Natola, para quem escreveu a Sonata para violoncelo e piano (1979). O compositor morreu em Genebra no dia 25 de junho de 1983, no mesmo ano em que a Argentina voltava à democracia com a convocação de eleições gerais. Entre seus alunos mais conhecidos encontram-se Astor Piazzolla, Alcides Lanza, Waldo de los Ríos, Jacqueline Nova e Rafael Aponte-Ledee.

A produção musical de Ginastera costuma ser agrupada em três momentos: nacionalismo objetivo (1934-48), nacionalismo subjetivo (1948-58) e neoexpressionismo (1958-83). As obras nacionalistas da primeira fase se caracterizam por um uso mais direto das fontes populares argentinas. Enquadram-se nessa fase as já mencionadas Panambi e as Danças argentinas, bem como o famoso balé Estancia (1941), encomenda do Caravan American Ballet. A música foi inspirada pelas cenas rústicas dos pampas, e a suíte foi apresentada no Teatro Colón em 12 de maio de 1943. A obra completa só estrearia em agosto de 1952. A essa peça seguiu-se uma série de trabalhos inspirados em cenas nativas, escritos para várias formações instrumentais, todos demonstrando a excelente habilidade técnica que o compositor já possuía.

As peças da fase seguinte continuaram a demonstrar o apego de Ginastera aos recursos melódicos e rítmicos da música popular argentina. No entanto, ao mesmo tempo que essa influência foi se diluindo em sua obra, a linguagem musical passou a explorar novos caminhos. São dessa fase de “nacionalismo subjetivo” peças como a Sonata para piano nº 1 (1952) e as Variações concertantes para orquestra (1953).

Cada vez mais respeitado como compositor, viajando frequentemente e por fim estabelecendo-se no exterior, Ginastera passou a utilizar-se cada vez menos da temática folclórica, inaugurando o que foi chamado de neoexpressionismo. Além do abandono do nacionalismo, esse momento de sua produção foi marcado pela procura de novos meios de expressão musical, o que levou o compositor a uma linguagem mais ousada, que inclui dissonâncias, ritmos assimétricos e serialismo. Dessas obras, uma das mais notáveis é a Cantata para América mágica (1960) para soprano e 53 instrumentos de percussão, baseada em antigas lendas pré-colombianas.

Um novo passo no desenvolvimento de sua linguagem composicional veio com sua primeira ópera, Don Rodrigo (1964). Nela, Ginastera seguiu a fórmula geral de Wozzeck, de Alban Berg, e utilizou-se do “canto falado” de Schönberg. Desse mesmo ano é a Cantata Bomarzo para solistas, narrador e orquestra de câmara, encomenda da Fundação Elizabeth Sprague Coolidge de Washington. A partir do mesmo libreto, escrito por Manuel Mujica Láinez, Ginastera escreve sua segunda ópera, Bomarzo (1967), proibida na Argentina até 1972, sob a justificativa de ter “natureza imoral”. A escrita dessa ópera acarretou inovações extraordinárias a partir da utilização do serialismo. Sua última ópera foi Beatrix Cenci (1971). Entre as obras instrumentais desse seu último período destacam-se os concertos para violino (1963), harpa (1965), dedicado a Nicanor Zabaleta, e o segundo concerto para piano (1972).

Na década de 1970, a música de Alberto Ginastera chamou a atenção de artistas populares. O grupo de rock progressivo Emerson, Lake and Palmer adaptou o quarto movimento de seu primeiro concerto para piano, gravando-o no álbum Brain Salad Surgery, sob o título de Toccata. A gravação contou não apenas com a permissão de Ginastera, mas com seu endosso. “Você capturou a essência de minha música”, disse o compositor a Keith Emerson. Como Toccata, a peça ganharia ainda outras gravações de músicos populares. Mais tarde, Emerson adaptou outra peça de Ginastera, da Suíte de danças criollas. A música do compositor também integrou a trilha sonora de filmes e foi inspiração para outras bandas como Yes, Genesis e Pink Floyd.

Além das obras já citadas, a produção do compositor inclui três quartetos de cordas, diversas peças orquestrais de colorido nacionalista, dois concertos para violoncelo, dezenas de peças para piano, obras corais e camerísticas. 

O compositor argentino Alberto Ginastera [Divulgação/cso.org]
O compositor argentino Alberto Ginastera [Divulgação/cso.org]

Linha do tempo

1916
Nasce em Buenos Aires, no dia 11 Ade abril

1934
Aos 18 anos, ganha seu primeiro prêmio de composição pelas Piezas infantiles para piano

1940
Além de se formar no Conservatório Nacional de Música, estreia o balé  Panambí, composto em 1937

1945
Estuda nos EUA com bolsa da Fundação Guggenheim de Nova York, tendo aulas com Aaron Copland

1948
Tem início o seu segundo período composicional, de nacionalismo subjetivo

1960
É deste ano a Cantata para América mágica, para soprano e 53 instrumentos de percussão, baseada em antigas lendas pré-colombianas

1964
Compõe sua primeira ópera, Don Rodrigo, e a Cantata Bomarzo, que daria origem a uma ópera de mesmo nome, finalizada em 1967

1970
Passa a viver em Genebra, na Suíça 

1971
Compõe sua última ópera, Beatrix Cenci

1972
É deste ano o notável Concerto para piano nº 2

1983
Morre em Genebra no dia 25 de junho

Curtir

Comentários

Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não refletem a opinião da Revista CONCERTO.

É preciso estar logado para comentar. Clique aqui para fazer seu login gratuito.