Às vezes, é preciso tempo. E ele com certeza foi necessário para que se compreendesse a importância do trabalho do compositor argentino Astor Piazzolla. Para o mundo do tango, foi um traidor – chamaram-no inclusive de assassino do gênero; para a música clássica, nem sempre foi fácil compreender o modo como trafegava entre o erudito e o popular.
Mas a qualidade da música falou mais alto. E, no dia de seu centenário, o compositor é celebrado como uma das vozes incontornáveis da composição latino-americana do século XX, com obras interpretadas por músicos e orquestras de todo o mundo.
Piazzolla nasceu em 11 de março de 1921 em Buenos Aires mas, ainda criança, mudou-se com a família para Nova York. Lá ficou até os 15 anos de idade. E, durante esse tempo, cresceu ouvindo a música que seu pai costumava colocar para tocar em casa, com destaque para discos de Carlos Gardel e algumas obras de Bach. Foi ainda nos Estados Unidos que ganhou do pai um bandoneon de segunda mão.
De volta à Argentina, em 1936, passou a tocar em conjuntos de tango, até encontrar uma vaga no principal grupo da época, a orquestra de Aníbal Troilo. Para ele, trabalhou também como arranjador e eventualmente tocando piano. Cinco anos mais tarde, passou a estudar composição com Alberto Ginastera, que lhe apresentou a música de Stravinsky, Bartók e Ravel. Escreveu um prelúdio para violino e uma suíte para cordas. E, pouco depois, partiu para Paris, onde foi aluno de Nadia Boulanger.
O contato com a professora não foi exatamente como Piazzolla esperava. Ele mais tarde se lembraria do modo como, ao se apresentar para ela, procurou deixar para trás o tango, imaginando um caminho tradicionalmente “clássico”. Mas foi apenas quando começou a improvisar ao piano algumas ideias ligadas ao gênero que despertou o interesse de Boulanger. Ela disse a ele: nunca abandone o tango, o tenha como fonte de criação. “Foi então que eu me dei conta de que eu tinha algo que se poderia chamar de estilo.”
Mesmo nos anos com Troilo, Piazzolla acabava batendo de frente com o chefe, por conta de ideias musicais consideradas “avançadas demais”. E, em sua volta à Argentina, não seria diferente. Em 1955, ele fundou o Octeto Buenos Aires, que tinha um violão elétrico em sua formação, e introduziu elementos ligados ao jazz, ao folclore e à música clássica em suas composições. Era o Novo Tango, que daria ao mundo nos anos seguintes obras como Adios Nonino, Libertango, La muerte del angel, Tristezas de un doble ou Oblivion.
Piazzolla, nem sempre reconhecido pelo meio musical argentino, passou longas temporadas na Itália e nos Estados Unidos.
“A resistência não foi pequena. Em diálogo com Ernesto Sábato, Jorge Luis Borges, que chegou a ter seus versos musicados por Piazzolla, afirmou que, depois de ouvir seis obras do músico numa apresentação, se levantou e disse “vou embora; como não estão tocando tango, hoje”, lembra o crítico musical Irineu Franco Perpetuo em artigo publicado pela Folha de S. Paulo. “Outras reações seriam menos bem-humoradas, e incluiriam até ameaças à integridade física de Piazzolla. Ele prosseguiu, contudo, impávido em seu "projeto crossover”. De um lado, combinando as melodias sentimentais e nostálgicas de seus tangos com harmonias ousadas e procedimentos contrapontísticos sofisticados importados da música barroca, como a fuga e similares. De outro, urdindo partituras orquestrais em que o elemento de tango fica cada vez mais evidente.
Com o tempo, porém, veio o reconhecimento no cenário musical de seu país e em todo o mundo, com sua obra despertando cada vez mais interesse. Uma obra diversa, que inclui a ópera Maria de Buenos Aires, Fuga y mistério, Le grand tango (estreado por Mstislav Rostropovich) ou as Quatro estações portenhas. O compositor morreu em 1992, dois anos após sofrer um derrame em Paris.
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