As comemorações do centenário de nascimento do compositor amazonense Claudio Santoro (1919-1989) têm sido tão extraordinárias que o acaso parece ter se comovido, e resolvido dar também sua contribuição. Sediado em Brasília – cidade em que Santoro passou os últimos anos de vida –, o Instituto Piano Brasileiro (essa miraculosa instituição idealizada e comandada por Alexandre Dias) acaba de anunciar a descoberta de nada menos do que seis canções inéditas do compositor amazonense, que até então se encontravam fora do catálogo cuidadosamente mantido por seu filho, Alessandro Santoro.
São elas: Marguerite, com texto do poeta francês de Louis Aragon (surrealista na juventude, que depois rompeu com as vanguardas e se filiou ao Partido Comunista Francês); No meio da rua, com letra de Jeanette Alimonda (esposa do pianista Heitor Alimonda); e quatro canções do Ciclo Brecht, de 1974/5: Das lied von der Wolke der nacht; Liebeslied; Sonett der emigration (parte do canto, com fita magnética); e Von den verführten Mädchen (parte do canto, com fita magnética).
Na matéria de capa sobre o músico que escreveu para a edição de março da Revista CONCERTO, João Luiz Sampaio (que está finalizando um livro a respeito de Claudio Santoro) conta que “as canções, por sua vez, são o gênero em que a criação de Santoro permanece incompleta: o compositor muitas vezes entregava o manuscrito ao intérprete e, com isso, algumas obras se perderam”.
Alexandre Dias diz que as descobriu porque o IPB tem se dedicado sistematicamente à digitalização de acervos. E, dentre outros, ocupou-se, por um ano, no regate das cerca de 50 mil páginas de partituras que pertenciam ao tenor e pianista (ele se apresentava em público nas duas funções) maranhense Hermelindo Castelo Branco (1922-1996).
“É o maior acervo de canção brasileira que existe, com nada menos de 6.300 partituras”, afirma Dias. “Hermelindo tinha uma sede insaciável pela canção brasileira. Ele queria ter tudo que existisse nessa área. Comprava partituras, ia atrás de compositores e intérpretes, e chegava a completar as canções folclóricas cuja linha melódica estava apenas esboçada”, diz.
A coleção foi disponibilizada ao IPB por Rogério Resende, da Casa do Piano, de Brasília, e está sendo estudada por um grupo coordenado pelo tenor Lenine Santos, professor da UFRJ. Maiores detalhes a esse respeito podem ser lidos no site do IPB.
Dias narra que, no meio do processo de catalogação das partituras, encontrou um manuscrito a lápis de Santoro de Marguerite, estreada por Vasco Mariz em 1948. E, ao examinar a lista completa das canções do compositor que estavam de posse de Hermelindo, foram achadas as outras cinco, que eram consideradas perdidas.
E vem mais material sobre Santoro por aí. No presente, dentre outros projetos, o IPB está digitalizando 150 fitas cassete pertencentes à família do compositor. “Tem o Santoro regendo, falando, improvisando ao piano, o Alessandro tocando o Concerto nº 1 com o pai, entrevistas com a Gisele [viúva do compositor], programas da Rádio MEC”, enumera.
Feitas as contas, o centenário de Santoro está servindo não apenas para aquilatar da forma merecida a produção de um dos maiores criadores brasileiros de todos os tempos, como ainda para estabelecer um paradigma de como esse tipo de data deve ser comemorado. É esperar agora que, nas próximas efemérides (ou mesmo sem esperar por elas), trabalho análogo seja realizado em prol dos gloriosos colegas, precursores e sucessores de Santoro. Se quisermos que o mundo descubra os tesouros da música brasileira de concerto, precisamos primeiro fazer a nossa parte por aqui.
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