Menahem Pressler, pianista (1923-2023)

por Redação CONCERTO 07/05/2023

“Eu não poderia imaginar que seria possível aprender tanto com alguém.”

A frase é do violoncelista Antonio Meneses. E se refere ao pianista Menahem Pressler.

“Ele sabe tudo: cada nota, e o que cada nota representa, o que quer dizer, o que pode expressar. O Menahem sabe – e tem o dom de partilhar esse conhecimento com o outro. Começávamos a ensaiar e passávamos horas num compasso, com ele explicando todas as possibilidades, descrevendo as ideias que teve durante os quarenta ou cinquenta anos em que vinha tocando a peça, o trecho, a nota. O músico pode tocar bem. Mas existe uma incrível profundidade na música que é preciso procurar, perseguir. Tem que se dar a esse trabalho. Talvez tenha sido o melhor que aprendi com Menahem: a cavar.”

Pressler morreu neste sábado, dia 6 de maio, aos 99 anos. A informação foi anunciada pela Jacobs School of Music da Universidade de Indiana, onde o pianista dava aulas desde 1955. A causa da morte não foi divulgada. 

Nascido em dezembro de 1923 em Magdeburg, na Alemanha, ele deixou o país com os pais e irmãos após a Kristallnacht, em novembro de 1938, quando os nazistas realizaram ataques a casas e lojas de judeus e sinagogas. A família conseguiu chegar à Itália e depois seguiu para Haifa, mas seus avós, tios e primos foram vítimas do Holocausto.

Em entrevistas, ele falava da sensação de perda e dos tormentos que os episódios da guerra provocaram nele, que já não comia e adoeceu. Um dia, enquanto tocava a Sonata nº 31, de Beethoven, desmaiou sobre o piano. “Mas foi um momento de virada. A peça tem idealismo, hedonismo, arrependimento. E, no final, algo que é muito raro nas últimas sonatas de Beethoven: é triunfante, nos diz “Sim, vale a pena viver minha vida”, contou em 2008 ao jornal New York Times.

O pianista Menahem Pressler [Divulgação/Deutsche Grammophon/Marco Borgreve]
O pianista Menahem Pressler [Divulgação/Deutsche Grammophon/Marco Borgreve]

Pressler fez sua estreia nos EUA no final dos anos 1940 e, em 1955, além de entrar para a Universidade de Indiana como professor, criou ao lado do violoncelista Bernard Greenhouse e Daniel Guilet o Trio Beaux-Arts, um dos mais importantes e celebrados conjuntos de câmara dos últimos setenta anos. Juntos, eles gravaram todo o repertório para a formação, em alguns casos mais de uma vez. Com o tempo, a formação do conjunto foi se alterando. Em 1998, Antonio Meneses assumiu o posto de violoncelista e Young Uck Kim, o de violinista. O brasileiro ficou no trio até sua extinção, em 2008, e Kim foi substituído em 2002 pelo violinista Daniel Hope.

Com o trio ou em duo com Meneses, Pressler esteve no Brasil em diversas oportunidades. Em 2003, por exemplo, apresentou pela série da Cultura Artística a integral da obra para piano e violoncelo de Beethoven ao lado do violoncelista. Dois anos mais tarde, subiu ao palco do Auditório Claudio Santoro para uma masterclass na programação do Festival de Inverno de Campos do Jordão: o Trio Beaux-Arts comemorava então cinquenta anos de atividades. Após dois dias de viagens – de carro pelos EUA, depois em um avião emprestado pelo reitor da Universidade de Indiana, que o levou a um aeroporto em que poderia pegar um voo para o Brasil –, Pressler chegou direto para ensaios e para as aulas. 

“De onde vem a energia? Não há segredo algum, ela vem da música”, disse em uma entrevista. “Da música e da paixão. Está tudo aqui. A vida toda ela me deu forças. Meu tempo livre eu não quero gastar dormindo, vendo televisão. Minha vida é fazer música e o fazer musical me dá forças para seguir adiante.”

Na mesma conversa, ele falou de sua busca como artista e de sua trajetória. “Fazer sons, não, não, não. É mais do que isso. A chave está na imaginação. Meu trabalho como músico nunca será mais importante do que meu trabalho como professor. Vejo um aluno e digo a ele: encontre o seu caráter, o que você quer dizer, parta da música em direção a algo mais. Encontre a expressão”, explicou.

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Daniel Hope, Pressler e Antonio Meneses durante último concerto do Trio Beaux-Arts, em 2008 [Reprodução/Facebook/Antonio Meneses]
Daniel Hope, Pressler e Antonio Meneses durante último concerto do Trio Beaux-Arts, em 2008 [Reprodução/Facebook/Antonio Meneses]

 

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Nos CDs e LPs gravados pelo pianista Menahem Pressler, do Trio Beaux-Arts, ouve-se (sente-se) aquilo que o grande Antônio Meneses resumiu: o especialista, apaixonado e imerso em música de câmara.

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