Retrospectiva 2024: Mere Oliveira, cantora lírica, gestora e ativista cultural antirracista
“O exercício de 2024 nos mostrou mais uma vez a força da mobilização de grupos que, organizando-se em projetos, prestigiaram os artistas dos grupos sociais minorizados e fizeram acontecer espetáculos e iniciativas que promovem e lhes dão o protagonismo. Em algumas produções e teatros vimos, ao longe, a busca por maior participação de artistas negros, mas a prática do antirracismo é tão incomum que não adquire constância, e a falta de comprometimento com a justiça social nos atrasa. Qual a razão de formarmos mais profissionais, se o mercado mata a cada um em trabalhos precários e eventuais? E, se nos consideramos fazedores de Cultura, porque só alguns de nós militam pela política cultural em suas cidades, estados e país?
Ah! Era retrospectiva! Vamos a ela: ver o Núcleo de Ópera da Bahia ir de Paris à Sala São Paulo, com Gilberto Gil, e ainda saber que a Ópera dos terreiros vai virar enredo de escola de samba no Rio de Janeiro alegra e move a esperança, mas também mostra que, no Brasil, ainda é necessário ter um grande nome parceiro, além de fazer-se no exterior, para que aqui se dê visibilidade.
Ver o Concurso Lapinha na sua terceira edição é um respiro pensando nos mais jovens; conseguir realizar uma produção disruptiva e brasileira de Carmen é um bálsamo, ainda que momentâneo; ver o Theatro São Pedro privilegiar protagonistas negros mais de uma vez com Cinderela, e estender a prática a outros espetáculos é um alívio, bem como o TMRJ ter o cuidado de incluir mais artistas negros nas produções, em busca de equidade. Novo teatro de ópera nascendo em Porto Alegre, que boa notícia, que alegria para a Cors, que está indo de vento em popa; e, por fim, mais um dia de encontro para discutir o setor – mas e as metas, cumprimos?
Sem um compromisso forte com a identidade do povo e do artista brasileiro, não se leva a tal justiça social para a prática profissional da música de concerto e da ópera, e sequer se promove a identificação com o público (para que tenhamos a sua paixão como defesa contra a aniquilação do setor). A organização política é essencial para o enfrentamento dos sistemas de dominação, da exclusão, da exploração e da opressão. É repetitivo bater nessa tecla por anos a fio, mas é tão aborrecedor quanto necessário. Queremos viver o verbo esperançar e não só falar dele.” [Depoimento de dezembro de 2024]
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