Édipo rei, ópera de Luciano Camargo, estreia no Teatro Bradesco; inédita empreitada cria espetáculo fluente e de bom resultado artístico
O maestro Luciano Camargo não teme desafios. Conhecemos ele como talentoso maestro e empreendedor cultural, pelo seu trabalho de encenar óperas completas, de forma independente (leia-se, sem auxílio estatal), no Teatro Bradesco do Shopping Bourbon. Ali, a companhia que ele criou, a Uniopera, já produziu La Traviata, Carmen e Flauta mágica além de outros grandes repertórios corais-sinfônicos.
Mas a sua mais recente empreitada, pela envergadura e ambição, colocou todas as anteriores em um segundo plano. Pois agora, Camargo estreou a sua própria ópera, Édipo rei, que ele compôs sobre o texto original de Sófocles, escrito há mais de 400 anos antes de Cristo. Quem preparou o libreto foi Rodolfo García Vázquez, diretor da companhia de teatro Satyros, e é Vázquez também que faz a direção cênica do espetáculo.
A tragédia é a história milenar de uma profecia, segundo a qual Édipo mataria o pai e viria a se casar com a própria mãe. As tramas e relações pessoais moldaram arquétipos de nossa civilização e servem com um dos pilares da psicanálise clássica freudiana.
Na ópera de Camargo, não há concessões ou facilidades. São duas horas de música, com orquestra completa, coro e solistas. O compositor criou prólogos, interlúdios, árias e grandes passagens corais, e até um movimento de balé. E tudo resulta em uma obra bem-acabada, que tem fluência e um competente desenrolar dramatúrgico.
A linguagem do compositor é a de uma modernidade eclética, tonal e acessível. A música dá suporte à narração, muitas vezes utilizando-se de efeitos que amplificam a mensagem do texto. Camargo faz uso também de alguns motivos musicais recorrentes, que costuram as cenas e contribuem para uma maior organicidade do espetáculo. Há inspiradas árias, às quais o compositor consegue emprestar a correta dose de emoção, seja para o lado lírico e introspectivo, seja para o do drama. Em geral, a abordagem musical e formal está ancorada nos grandes títulos históricos, tanto que ao longo do espetáculo há passagens que lembram Wagner, Puccini ou Shostakovich.
Foi boa a performance musical, que foi dirigida pelo próprio compositor. A orquestra soou bem e equilibrada, imprimindo um bom ritmo à ópera. O grande Coral Cidade de São Paulo – formado por cantores amadores e base de todo o trabalho artístico do maestro Luciano Camargo – teve também boa presença e uma importante participação cênica.
Ao longo de sua trajetória, Camargo tem se cercado de cantores que estão entre os melhores do país, e nesta produção também não foi diferente. O tenor Jábez Lima, cantor que vem se destacando em ótimos trabalhos, fez Édipo com bonito e rico timbre. Por sua interpretação e recursos vocais, Édipo ganhou uma caracterização mais sensível e resguardada, em que o personagem vai se surpreendendo a cada nova revelação de sua desgraça – nada de muito heroico ou soberbo.
O elenco solista contou ainda com a soprano Joyce Martins como Jocasta, com a mezzo soprano Gabriela Bueno, que fez o oráculo Tirésias, e com o barítono Rodolfo Giugliani, destaque vocal da noite, que fez um grande Creonte. Igualmente competentes se apresentaram Isaque Oliveira como Corifeu, Fellipe Oliveira como Mensageiro de Corinto e o tenor Ernesto Borghi, como Pastor. Foi muito gracioso e delicado o balé dançado pelas integrantes do Ballet Jovem Cisne Negro Ana Luiza Veiga, Ana Paula Trevisan Pires, Anna Evelyn e Graziela Mendonça, como damas de companhia de Jocasta na abertura do terceiro ato.
A encenação é simples, mas funcional. Longas cortinas delimitam o espaço, em que uma bem bolada movimentação do coro tem importância cênica fundamental. Alguns elementos e uma iluminação também em cores auxiliam na caracterização dos diferentes atos. Creio que, considerando a ambição do projeto como um todo, a montagem resultou modesta, certamente pelos recursos financeiros que uma montagem de maior envergadura exigiria. Nem por isso a encenação deixa de propor boas soluções e é feliz em sua realização.
Édipo rei é, sem dúvida, uma importante contribuição para a criação lírica nacional. Além do valor da produção em si, o projeto tem o diferencial de envolver uma grande equipe e animados coralistas amadores, além de atingir um amplo público novo, resultando em um impacto cultural nada desprezível.
E a ambição de Luciano Camargo não termina aqui. Qual Richard Wagner do século XXI (mas sem nenhum rei Ludwig II dando suporte), Camargo planeja uma tetralogia tebana, que seguirá com Édipo em Colono, Sete contra Tebas e com Antígone.
Esse Édipo rei demonstra que competência e capacidade de realização não faltam!
Ainda haverá récitas de Édipo rei nos dias 27 e 28/9 e dias 4 e 5/10 às 16h, e dias 2 e 3/10 às 20h. Clique aqui para mais detalhes do Roteiro Musical.

É preciso estar logado para comentar. Clique aqui para fazer seu login gratuito.
Comentários
Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não refletem a opinião da Revista CONCERTO.