Carla Caramujo e Orquestra Petrobras Sinfônica apresentam as Quatro últimas canções de Strauss e a Titã de Mahler
...e já escurece o céu./ Apenas duas cotovias alçam voo, (...) / Logo será hora de dormir. (...) / Ó paz imensa e tranquila / tão profunda no crepúsculo! / Como nós estamos cansados dessa jornada - / Seria talvez isso já a morte? (“Im Abendrot” - “Crepúsculo”, poema de Joseph von Eichendorff)
Na quarta-feira, dia 26, uma das sopranos europeias de destaque vai cantar pela primeira vez em sua carreira uma das obras sinfônicas de maior beleza e força na música de concerto – e faz essa estreia no Brasil. Carla Caramujo, portuguesa com formação em Londres, volta ao Rio de Janeiro sete meses depois de sua última passagem pela cidade para reencontrar a Orquestra Petrobras Sinfônica e Isaac Karabtchevsky num programa que se inicia com as Quatro últimas canções, de Richard Strauss. Na segunda parte, a orquestra traz a Sinfonia n° 1 de Gustav Mahler.
“Pela complexidade da composição, pela profundidade dos poemas de Herman Hesse e Joseph von Eichendorff, essa não é obra para se cantar quando muito jovem”, diz Carla, já em ensaios com a Opes. “É necessário que tenhamos já o domínio de nossas capacidades artísticas.”
Escritas em 1948, são verdadeiramente as últimas obras do alemão de Munique, nascido em 1864. A estreia foi póstuma, dois anos depois, no Royal Albert Hall, com a Philharmonia regida por Wilhelm Fürtwangler e a voz de Kirsten Flagstad. Sabe-se que as canções não foram concebidas como um ciclo e que a última canção – Im Abendrot – foi a primeira a ser composta. Strauss pôs o ponto final na última, chamada Setembro, exatamente no dia 20 daquele mês, dia em que acaba o verão no Hemisfério Norte. Ele morreu um ano depois, em setembro de 1949.
Há uma exaustão, mas sem amargura. É um olhar de cima, enxergando a morte como um crepúsculo, em paz e em silêncio
“Essas obras-primas foram sua despedida serena, de desprendimento dessa vida”, considera Carla. “Um dos poemas, Beim Schlafengehen – algo como Indo dormir – diz: ‘E minha alma, sem amarras, / deseja flutuar com as asas livres / para, na esfera mágica da noite, / viver uma vida profunda e múltipla’. É a passagem para a outra margem, mas a morte não é assustadora, é uma libertação do cansaço.”
O formato – com as quatro peças nesta sequência - se cristalizou. A aceitação da morte, o sentimento de transcendência dos poemas que a música transmite cria a atmosfera única. “Há uma exaustão, mas sem amargura. É um olhar de cima, enxergando a morte como um crepúsculo, em paz e em silêncio”, continua a soprano. “Melodicamente, é de uma perfeição arrebatadora. Há um solo de violino na terceira canção que tem tudo para ser brilhante, mas que precisa abraçar as cores da canção, uma nostalgia; é de uma incrível sensibilidade, mas extremamente virtuosístico. A melodia é de uma simplicidade que ao mesmo tempo transporta um estado emocional complexo.”
O preparo para as enormes exigências vocais das canções, diz Carla, começou por um estudo harmônico; passa pelo estudo dos textos e do alemão e a performance vocal, com “extremo controle da afinação, que é muito particular, em um fraseado muito leve e lírico". "Há modulações abruptas. Temos uma região média com muitas nuances e a necessidade de subir para o agudo com muita leveza e flexibilidade.” Talvez como o crepúsculo lento e o pássaro que abre as asas e se desprende? “Bastante assim. Há uma dose daquilo que é terreno e, de repente, um sublimar de tudo na passagem para o espiritual.”
O convite para essa apresentação veio no final do concerto de outubro de 2022, em que orquestra, maestro e soprano interpretaram a Quarta sinfonia de Mahler e as Cartas Portuguesas, de João Guilherme Ripper, “pelas mãos do mestre Isaac já no segundo ensaio que tivemos”, revela Carla. “É um privilégio estar com ele, que tem a experiência de trabalhar esse repertório, o fez com grandes nomes e a imensa e profunda capacidade e na fase de excelência e de vida em que ele está.”
A estreia de Carla na obra de Strauss se dá no país em que “só me acarinham”, reforça. “Depois dessa estreia, seguirei cantando a obra e, daqui a 15 anos, farei as canções com outra maturidade.”
Em sua passagem pelo Rio de Janeiro, a soprano também faz recital no dia 28, no Palácio São Clemente, ao lado da pianista Priscila Bomfim. No programa, canções de Antônio Fragoso, Fernando Lapa, Ripper e Francisco Lacerda.
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