A Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo apresenta esta semana um programa especial, por alguns motivos. Primeiro, porque traz o pianista Arnaldo Cohen interpretando uma de suas especialidades, o Concerto para piano nº 2 de Liszt, peça que ele já gravou com o grupo, sob a regência de Neschling.
Em segundo lugar, porque as demais peças do programa, que será comandado pela maestrina Valentina Peleggi, giram em torno da prática de orquestrações e transcrições de peças: a de a de Luciano Berio para a Arte da fuga e a de Busoni para a Chaconne da Partita BWV 1004, ambas de Bach; e a de Flo Menezes para canções de Brahms, batizada de TransLieder.
Flo Menezes é um dos principais compositores brasileiros em atividade. E, em um texto sobre TransLieder, explica o que o guiou no trabalho de composição. “Não sei se chegaria ao ponto de afirmar que os TransLieder constituiriam a música mais “experimental” que já realizei, mas o que há, aqui, de transgressor, de inusitado mesmo, não é pouca coisa. Com certeza não se trata de meras “transcrições”, e talvez nem mesmo de transcriações (como prefiro designar este meu intento, apropriando-me da designação concretista na falta de termo ainda mais apropriado para o que pretendi realizar), mas antes de verdadeiro, radical transgresso (este sim, termo meu): após tocar e cantar, no âmago privado de minha morada e sempre por horas a fio, já há tantos anos que mal sei localizar seus primórdios, algumas canções de Brahms que julgo simplesmente transcendentais, fiz acurada seleção de onze delas, dispondo-as numa não menos cuidadosa sequência dramático-musical, visando a serem vertidas para Soprano, Contralto e orquestra, como se se tratasse de canções com orquestra do porte das de Mahler (penso, aqui, sobretudo nos igualmente transcendentais Rückertlieder)”, escreve.
Entre as onze canções, está a célebre Canção de ninar, que Menezes explica estar no centro dos TransLieder. “Sua orquestração, evocando um mundo estranho, lendário, quase mágico, consiste numa introdução cintilante, sobreposta a passagens virtuosística da molto lontano pelo violino solo, até surgir a canção para, em sua parte final, verter-se numa surpreendente apropriação de algo na mesma tonalidade, escrito em 1898, portanto um ano após a morte de Brahms, e que narra a despedida do herói desse mundo. A melodia da Canção de ninar sofre então um radical processo de expansão temporal, como se se tratasse de um time-stretching eletroacústico, fazendo com que cada uma de suas sílabas entre ora em sintonia, ora em contraste com o tecido orquestral, como o qual, semanticamente, costura um trama paradisíaca: afinal, o texto pede para que se olhe ao Paraíso. Trata-se de um dos momentos mais comoventes da literatura orquestral de todos os tempos, e também em tonalidade maior: alguns compassos da parte final de Ein Heldenleben de Richard Strauss. Em outros Lieder, injetei fragmentos de outros (Beethoven, Mahler, Berg, Stravinsky), trazendo à luz relações intertextuais com passagens dos Lieder brahmsianos, mas aqui é quase a melodia – que perguntamos se de fato é de Brahms – que pede passagem, sacrificando sua temporalidade original, para o arrebatador contexto de Strauss. É nesse meio do ciclo, pois, que, sintomaticamente, o simples (do qual devemos sempre desconfiar) se transmuta em complexo (que devemos sempre defender).”
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