Evento reuniu autoridades da esfera federal, estadual e municipal; além de debater sobre os desafios e as perspectivas para o fortalecimento da indústria da ópera, encontro discutiu sobre identidade e inclusão
Realizou-se na segunda-feira, dia 25 de outubro, no Theatro Municipal de São Paulo, o segundo encontro “Ópera em pauta”, agora realizado pelo Fórum Brasileiro de Ópera, Dança e Música de concerto (Fórum ODM). O evento, que abrigou a primeira reunião presencial do Fórum – criado no ano passado, em meio à pandemia, com adesão inédita de instituições e artistas de todo Brasil –, tem como objetivo “reunir o setor para definir estratégias conjuntas, alinhar a comunicação e trocar experiências”. Contando com a participação de vários dirigentes do setor público, o evento possibilitou importantes articulações do Fórum com destacadas autoridades da esfera federal (Funarte), estadual (Fórum nacional dos secretários estaduais de cultura) e municipal (Fórum nacional de secretários e gestores de cultura de municípios).
A abertura do “Ópera em pauta” deu-se com duas falas: inicialmente, a da secretária municipal de cultura, Aline Torres, que lembrou dos 110 anos do Theatro Municipal de São Paulo e destacou a importância da ópera e da “difusão dessa cultura pela cidade”; e, na sequência, de Andrea Caruso Saturnino, diretora geral do Theatro Municipal de São Paulo – instituição anfitriã e filiada ao Fórum –, que reportou sobre as atividades recentes do teatro.
Desafios e perspectivas
A primeira mesa, com o título “Desafios e perspectivas para o fortalecimento da indústria da ópera no Brasil”, foi mediada pelo compositor, diretor do Fórum ODM e presidente da Academia Brasileira da Música, João Guilherme Ripper, que chamou a atenção para o potencial da ópera no país – que tem mais de 90 teatros com fosso –, da vitalidade do gênero e da necessidade de políticas públicas para o setor.
O primeiro palestrante foi o presidente da Funarte, Tamoio Athayde Marcondes, que falou da necessidade do setor se articular para fazer demandas em nível federal – apenas duas iniciativas concretas teriam sido feitas nos últimos 20 anos (as edições de obras de Carlos Gomes nos anos 1990 e mais recentemente a única edição da Bienal Ópera Atual). O presidente acredita que seria desejável uma articulação maior entre todos os teatros e a construção de estratégias mais eficientes com propostas de políticas públicas estruturantes (em uma intervenção posterior, Tamoio afirmou que haveria ainda uma disponibilidade de R$ 4,2 milhões para o ano fiscal de 2021, recursos que poderiam ser executados mediante a aprovação de um projeto com plano de trabalho concreto).
O próximo a falar foi o presidente do Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura, Fabricio Noronha, que é secretário estadual de Cultura e Economia Criativa do Espírito Santo. Fabricio elogiou a criação do Fórum, que seria um sinal do fortalecimento do setor. O secretário apontou a necessidade de se construir pautas convergentes dos diferentes movimentos setoriais e lamentou a paralisação da Lei Rouanet, o que estaria levando a um grande aumento das demandas estaduais.
A mesma preocupação foi levantada pelo palestrante que se seguiu, Marcos Apolo Muniz de Araújo, que é secretário de estado da Cultura e Economia Criativa do Amazonas e vice-presidente do Fórum Nacional de Secretários. Apolo citou como exemplo o Festival Amazonas de Ópera, que depende da Lei Rouanet para os investimentos privados. Apolo fez uma forte defesa do gênero, contando que a criação do Festival Amazonas de Ópera levou a um grande desenvolvimento cultural e econômico da região, inclusive com a criação de mão de obra especializada que hoje também é utilizada pelo tradicional Festival de Parintins. “A gente não deveria estar perguntando, ‘por que ópera?’. A gente precisa assumir o compromisso pela ópera, por sua capacidade e potencial e por sua representatividade”.
A secretária de Cultura de Ribeirão Preto e vice-presidente do Fórum Nacional de Secretários e Gestores de Cultura das Capitais e Municípios Associados Isabela Pessotti foi a palestrante seguinte. Isabela falou da importância da descentralização dos recursos , com maior poder e independência dos municípios, uma vez que é nas cidades que se faz a cultura. Ela também destacou o potencial da economia criativa, o “trade” e a força mercantil da cadeia produtiva.
Encerrando o painel, a diretora do Fórum ODM e diretora executiva do Festival Amazonas de Ópera, Flavia Furtado, falou da importância da articulação e organização do setor por meio do Fórum Brasileiro de Ópera, Dança e Música de concerto. Flavia corroborou a fala de Isabela sobre a importância do mercado e da consolidação de uma indústria da ópera. “Os teatros não se pagam, nem aqui e nem em qualquer lugar do mundo. Mas os investimentos transformam os teatros em propulsores da economia. É um mercado em expansão”, afirmou. Flavia também destacou a importância do trabalho em rede e colaborativo.
Diversidade e inclusão
Após o almoço, os trabalhos seguiram com a mesa “Diversidade e inclusão na ópera”, mediada pelo diretor cênico e diretor do Fórum ODM André Heller-Lopes, que afirmou que é urgente promover a diversidade e inclusão na atividade. Elitismo e preconceito têm de ser revistos, para abrir o teatro a mais jovens e afrodescendentes.
A primeira fala foi do secretário de Cultura e vice-prefeito de Guarulhos José Roque de Freitas, que falou do I Festival de Ópera de Guarulhos e do objetivo de colocar a cultura como meta preferencial da gestão. Freitas destacou a presença de negros na orquestra, que no entanto tiveram de vencer muitas barreiras para conquistar o espaço.
Já Priscila Bomfim, maestra assistente do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, falou da luta da mulher para abrir espaço na música. Ela, que foi a primeira mulher a reger uma ópera na temporada oficial do Municipal carioca, diz que hoje há uma maior participação de mulheres – citou como exemplo a Simpósio de Mulheres Regentes, que teve mais de 900 inscrições, e o concurso La maestra da Philharmonie de Paris. “Se não estamos já em uma nova era, estamos em uma fase de transição”, acredita. Priscila enumerou alguns pontos importantes para a inclusão de mulheres: 1) as mulheres devem acreditar que podem, que são capazes; 2) as instituições devem se sensibilizar e colocar mulheres na programação; 3) a atuação delas é referência para as novas gerações; 4) ajudar para o desenvolvimento do meio, uma vez que, se não há teatros ou temporadas, também não há inclusão.
A palestrante seguinte foi a mezzo soprano Mere de Oliveira, coordenadora do sistema de Corais de Taubaté e membro da representação negra do Fórum ODM. Mere defendeu a ideia de que é preciso conhecer o nosso passado para conseguir fazer uma transformação. Em uma breve análise histórica, Mere afirmou que seguidas leis discriminatórias alijaram os negros estabelecendo o racismo estrutural de nossa sociedade. “Quantos negros temos nos principais teatros e festivais?”, perguntou. A cantora encerrou dizendo que é preciso tirar as travas de nossos olhos preconceituosos e corrigir velhas injustiças.
Na sequência o fotógrafo documental Stig Lavor fez um relato pessoal de sua trajetória, contando como, nascido em um corpo feminino, passou 35 anos até se tornar trans. Afirmou que a sociedade é indiferente ao corpo e que todos somos humanos. Em relação à cultura e ao trabalho artístico, Stig reclamou do tratamento que o governo federal dispensa aos artistas, tratando todos como vagabundos, e encerrou a fala exclamando: “fora Bolsonaro!”.
O coordenador do Centro Cultural da Diversidade da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, André Fischer, que é também criador e diretor do Festival Mix Brasil, defendeu a inclusão de toda a comunidade LGBTQIA+. Também ele se opôs ao tratamento do governo federal que considera todos os artistas vagabundos: “Artistas são operários da construção da identidade de um país”, afirmou. André chamou a atenção para a necessidade dos grupos invisibilizados se articularem na sociedade, e assim buscarem aliados – e não apenas simpatizantes – para a construção de um país melhor.
Coube a Ricardo Appezatto, gestor artístico da Santa Marcelina Cultura, responsável pelo Guri Capital, Emesp e Theatro São Pedro, fechar o painel. Ricardo destacou a importância da criação de políticas públicas e ações afirmativas para que o espaço democrático se consolide. O gestor apresentou uma pesquisa que indica que o Guri, que oferece a primeira etapa da formação, tem maioria de meninas (55% contra 45% de meninos). Já na Emesp, que é a etapa escolar posterior, a proporção se inverte drasticamente, e a participação de mulheres cai para 30%. “A sociedade elimina as mulheres”, afirmou.
Reunião do Fórum Brasileiro de Ópera, Dança e Música de concerto
Encerrando a programação, o encontro “Ópera em pauta” promoveu a primeira reunião presencial do Fórum Brasileiro de Ópera, Dança e Música de concerto.
Abel Rocha, professor da Unesp e maestro titular da Orquestra Sinfônica de Santo André, fez um histórico da instituição e detalhou seu funcionamento. Abel também falou do mapeamento que está sendo realizado junto com o CNPQ, Unesp. Unicamp e UFRJ. Em seguida, Cristina Morales, diretora do Grupo Raça, apontou semelhanças dos desafios da ópera e da dança.
Na sequência, alternadamente, vários membros dos Fórum tomaram a palavra para apresentar iniciativas e ações do setor, entre eles Renata Borges e Tiça Camargo (Salve coxia), Maria Rúbia (Lírica solidária), Michel de Souza e Iberê Carvalho (Festival Ubuntu), André Cardoso (Projeto Sinos e Concurso de composição de ópera), Homero Velho (parceria da UFRJ com o concurso de composição e criação da site Base Ópera Brasil), Luciana Salles (ações da Fundação Clóvis Salgado no enfrentamento da pandemia) e Paulo Abraão Esper (novas gerações e concurso de canto com um resumo do trabalho da Cia Ópera São Paulo).
Propostas
Em reunião fechada com as autoridades presentes, diretores do Fórum ODM propuseram diversas ações que possam ser implementadas para o desenvolvimento do setor, como a criação de cadastros dos organismos artísticos e artistas independentes (para a elaboração de políticas públicas), estabelecimento de Fundos Municipais de Cultura e incentivo à criação de corpos artísticos. Na oportunidade, o Fórum também defendeu a revogação do Decreto 10.775 de 2021, que enfraquece a CNIC e exclui da Lei Rouanet orquestras e teatros que pleiteiam projetos anuais ou plurianuais para sua manutenção.
[O “Ópera em pauta” conta com a parceira de mídia da Revista CONCERTO.]
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