Demissão de spalla da Filarmônica de Goiás gera repercussão; orquestra lança nota oficial

por Nelson Rubens Kunze 05/12/2024

Violinista Abner Landim afirma que sua atuação “acalorada” foi em defesa da orquestra e se sente traído; gestora afirma que músico faltou com “responsabilidade, coletividade e, sobretudo, serenidade” e que demissão “é fundamentada e definitiva”

Desde alguns dias, as mídias sociais ligadas à música clássica têm difundido e repercutido criticamente a demissão do violinista Abner Landim da função de spalla da Orquestra Filarmônica de Goiás (OFG). Artistas como Emmanuele Baldini, Pablo de León e Cláudio Cruz postaram mensagens em solidariedade a Landim, com dezenas de interações de apoio. Formado pela Buchmann School of Music da Universidade de Tel Aviv, em Israel, Landim entrou na orquestra Filarmônica de Goiás em 2015 e é considerado um dos mais destacados músicos de sua geração.

Em conversa com a Revista CONCERTO, Abner conta que, em início de novembro, foi chamado para uma reunião virtual pelo departamento de recursos humanos da Funape, fundação ligada à Universidade Federal de Goiás que administra a Filarmônica de Goiás, e que então, para a sua surpresa, comunicaram a ele que ele fora demitido do grupo. Landim afirma que o departamento não soube dar nenhuma justificativa para a demissão. Nos dias seguintes, ainda segundo Landim, em reuniões da comissão de músicos e da orquestra, a direção justificou a decisão alegando a sua atuação sempre muito determinada e exaltada ao tratar dos problemas da orquestra, como a falta de um espaço adequado de ensaios, ruídos durante os ensaios e outros assuntos.

Após o episódio, 50 músicos do total de 55 integrantes do conjunto assinaram uma carta em que expressam “profunda tristeza, descontentamento e desaprovação em relação ao desligamento do nosso Spalla, Abner”. Logo de início, o documento afirma: “É de conhecimento geral que Abner possui um temperamento forte e, por vezes, acalorado. No entanto, em todas as ocasiões em que se expressou de maneira exaltada, os motivos nunca foram superficiais ou triviais”.

A carta cita diversas situações em que a atuação de Abner Landim levou a vantagens e resultados positivos para a orquestra e afirma que ele sempre se manifestou em defesa do grupo e do maestro. O documento encerra afirmando que considera “a demissão de Abner Landim um ato precipitado e, portanto, um erro”. E finaliza assim: “Pedimos encarecidamente a revisão dessa decisão por parte de todos os envolvidos”. 

Na conversa com a Revista CONCERTO, Abner Landim se diz decepcionado e traído. Afirma que sempre teve admiração pelo maestro Neil Thomson, com quem teve um bom relacionamento. Landim diz que a sua atuação, também como membro da comissão dos músicos, sempre foi a de conquistar melhores condições de trabalho para garantir um trabalho artístico de qualidade. O músico se queixa de não haver na direção da orquestra um posicionamento mais enfático de defesa do grupo e entende que nos últimos anos houve “omissão” da direção para lutar e garantir a “dignidade” dos músicos. Conforme diz, o maestro e a direção não se engajam em conseguir melhores condições de trabalho: “O maestro Neil não cobra e não defende a orquestra, ele deixa a orquestra sucatear sem ligar [para isso]”. Assim, sustenta que como spalla se sentiu responsável para tomar ações que acabaram sendo recriminadas pela diretoria.

A Revista CONCERTO também fez contato com o maestro Neil Thomson, que não quis se pronunciar, afirmando que os esclarecimentos sobre essa questão são de responsabilidade da direção administrativa na pessoa de Flavia Cruvinel, diretora de Artes e Culturas do Cett da Universidade Federal de Goiás e responsável – em conjunto com a Funape (Fundação de Apoio à Pesquisa) e a Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação do governo de Goiás – pela gestão da Orquestra Filarmônica de Goiás. A professora Cruvinel encaminhou então uma nota oficial da orquestra.

O comunicado expressa que a orquestra está surpresa pelo ataque e pelas críticas que sofreu nas redes sociais em razão da demissão de Landim, “porque partiram de músicos sem vínculos com a OFG, não residentes em Goiás e que em nenhum momento fizeram qualquer contato com a direção da orquestra para informarem-se a respeito do caso”. O documento afirma ainda que “as habilidades técnicas e artísticas de Abner Landim são bem conhecidas do meio musical brasileiro, e foram elas que lhe garantiram, nos últimos anos, a posição de spalla da OFG. No entanto, esse mesmo cargo exige um aguçado sentido de responsabilidade, coletividade e, sobretudo, serenidade para lidar com situações desafiadoras. E foram exatamente essas qualidades que faltaram a Abner Landim no exercício de suas funções como spalla, o que foi o fundamento para a sua demissão”. 

A nota encerra de forma categórica: “A decisão é fundamentada e definitiva”. 

Leia abaixo a Nota Oficial da Orquestra Filarmônica de Goiás e, em seguida, a Carta dos Músicos da Orquestra Filarmônica de Goiás


NOTA OFICIAL DA ORQUESTRA FILARMÔNICA DE GOIÁS 

Nos últimos dias, a Orquestra Filarmônica de Goiás (OFG) foi atacada por músicos do circuito orquestral brasileiro em suas publicações pessoais nas redes sociais. Em resumo, as manifestações criticam a demissão e pedem a recondução do spalla Abner Landim à OFG. 

Recebemos essas manifestações com surpresa porque partiram de músicos sem vínculos com a OFG, não residentes em Goiás e que em nenhum momento fizeram qualquer contato com a direção da orquestra para informarem-se a respeito do caso, razão pela qual devem ser feitos os esclarecimentos a seguir. Um dos marcos civilizatórios que infelizmente se está perdendo nos tempos atuais é o diálogo. É preciso defendê-lo, é preciso ouvir as partes envolvidas para evitar a formação de juízos e conclusões apressadas sem o conhecimento pleno dos fatos, mormente por pessoas que não desfrutam da convivência diária com todas as partes envolvidas. 

Desapontamento também define nossa reação a uma dessas manifestações, em que o autor emprega infeliz viés xenofóbico ao insistir em fazer referência ao “maestro inglês”, em referência ao Diretor Artístico da orquestra, o maestro Neil Thomson, que há dez anos ocupa o cargo, residindo em Goiânia. Se a música é universal, como dizem tantos, a nacionalidade do músico é irrelevante em qualquer contexto. Tal postura é, no mínimo, inadmissível para um país que tanto cresceu e se enriqueceu com séculos de imigração, com a valiosa contribuição dos estrangeiros que escolheram o Brasil para viver e que, uma vez aqui instalados, tornaram-se verdadeiros amantes e defensores da nossa cultura e das nossas tradições.

Há quase sete anos a OFG não demitia um músico. Trata-se de um corpo sinfônico coeso, marcado por fortes vínculos interpessoais, que passou unido por dificuldades de todo tipo durante esse tempo e conseguiu estabelecer-se como uma das orquestras mais respeitadas do país. As habilidades técnicas e artísticas de Abner Landim são bem conhecidas do meio musical brasileiro, e foram elas que lhe garantiram, nos últimos anos, a posição de spalla da OFG. No entanto, esse mesmo cargo exige um aguçado sentido de responsabilidade, coletividade e, sobretudo, serenidade para lidar com situações desafiadoras. E foram exatamente essas qualidades que faltaram a Abner Landim no exercício de suas funções como spalla, o que foi o fundamento para a sua demissão. 

A decisão é fundamentada e definitiva. 

Orquestra Filarmônica de Goiás


CARTA DOS MÚSICOS DA ORQUESTRA FILARMÔNICA DE GOIÁS
Goiânia, 15 de novembro de 2024.

Prezados,

Nós, músicos da Orquestra Filarmônica de Goiás, gostaríamos de manifestar nossa profunda tristeza, descontentamento e desaprovação em relação ao desligamento do nosso Spalla, Abner Landim. A nossa insatisfação, especialmente, se deve à forma como todo o processo foi conduzido.

É de conhecimento geral que Abner possui um temperamento forte e, por vezes, acalorado. No entanto, em todas as ocasiões em que se expressou de maneira exaltada, os motivos nunca foram superficiais ou triviais. Ao contrário, tratava-se de situações em que uma intervenção de liderança era claramente necessária, e Abner, como Spalla e líder dos músicos, assumiu esse papel com responsabilidade, como é esperado de sua função.

É importante ressaltar que, em todas essas situações, Abner sempre defendeu os interesses da orquestra, e, em muitos casos, seus esforços geraram resultados positivos, não apenas para os músicos, mas também para o maestro. Um exemplo disso foi a questão do vídeo dos tímpanos, que resultou na solução do problema com o aluguel do instrumento, beneficiando diretamente o evento mais importante do ano: a gravação. Além disso, sua intervenção junto ao Secretário Geral do Estado, expondo nossa situação salarial e financeira, culminou no maior e mais significativo reajuste salarial que a orquestra já recebeu. Esse reajuste não só beneficiou os músicos da OFG, mas também contribuiu para atrair músicos de maior qualidade, fortalecendo nosso corpo artístico. Seu posicionamento firme durante o episódio da “chuva de parafusos” trouxe à tona a urgente necessidade de um espaço adequado para os ensaios, onde pudéssemos contar com a liberdade e autonomia necessárias para o bom desempenho de nosso trabalho. 

Do mesmo modo, destaca-se que Abner desempenhou um papel fundamental na construção da identidade sonora das cordas da Orquestra Filarmônica de Goiás, com quase dez anos dedicados ao aprimoramento e à formação de uma sonoridade coesa e única. Além disso, sua contribuição nas gravações dos álbuns de Cláudio Santoro, Guerra-Peixe e Edino Krieger foi de grande importância, destacando-se sua participação como solista. Abner sempre teve um compromisso exemplar com a organização dos ensaios, zelando pela disciplina e solicitando respeito ao ambiente de trabalho, seja em relação à inspetoria e à gerência, seja ao maestro, sempre com o objetivo de garantir a excelência no desempenho da orquestra.

Outrossim, Abner também desempenhou um papel crucial no apoio à imagem da Orquestra e do maestro em momentos delicados. Um exemplo claro disso ocorreu quando o maestro Neil foi duramente atacado por figuras influentes do cenário musical, tanto de Goiás quanto de outros estados, devido a uma postagem nas redes sociais que celebrava as conquistas da OFG. A postagem, porém, foi mal interpretada como uma desvalorização do trabalho de outras instituições que atuaram no estado. Nesse contexto, Abner se posicionou de forma firme em defesa do maestro, demonstrando seu apoio e contribuindo para proteger a integridade da Orquestra e a imagem de seu líder.

Gostaríamos de destacar que, em uma palestra recente promovida pela FUNAPE, intitulada "Programa de Capacitação Continuada e Práticas Interventivas", fomos informados sobre a importância dos conflitos no ambiente de trabalho e sobre como resolvê-los de forma eficaz. A palestrante ressaltou que, em situações de discussões acaloradas, é essencial considerar o contexto pessoal dos envolvidos, pois questões pessoais podem ser o fator subjacente que leva a manifestações exaltadas. Nesse sentido, gostaríamos de enfatizar que Abner tem enfrentado circunstâncias pessoais extremamente desafiadoras, como a enfermidade prolongada de seu pai e o recente tratamento oncológico de sua mãe.

Não podemos deixar de ressaltar que, infelizmente, em nosso país, os problemas e desafios raramente são resolvidos por meio da diplomacia. Essa realidade tem se refletido repetidamente em nossa orquestra. Com tristeza, temos aprendido que tentativas de diálogo, conversas conciliatórias, pedidos educados e até mesmo cartas formais com reivindicações não têm surtido o efeito esperado. As melhorias conquistadas pelos músicos, infelizmente, costumam surgir apenas após discussões intensas e momentos de grande exaltação. 

Ao contrário de situações anteriores, a demissão de Abner ocorreu sem qualquer notificação formal prévia. Abner mantinha uma relação estreita com o maestro, e as conversas entre eles sobre seu comportamento não indicaram de forma clara que uma demissão era eminente. Na Orquestra Filarmônica de Goiás, é prática comum que o maestro comunique aos músicos, por escrito, suas insatisfações artísticas e comportamentais antes de tomar qualquer decisão definitiva. Inclusive, em episódios passados, o antigo Spalla da orquestra recebeu, de forma escrita, observações do maestro sobre seu desempenho. Era, portanto, fundamental que Abner tivesse sido notificado de maneira semelhante, assim como qualquer outro músico da orquestra. Temos a convicção de que, se esse procedimento tivesse sido seguido, a situação poderia ter se desdobrado de maneira diferente.

Diante de tudo isso nós consideramos a demissão de Abner Landim um ato precipitado e, portanto, um erro. Pedimos encarecidamente a revisão dessa decisão por parte de todos os envolvidos. É desejo comum dos músicos da OFG que essa demissão seja revogada. Por fim, com o objetivo de fundamentar os argumentos expostos, recomendamos a leitura dos ANEXOS, que descrevem detalhadamente as diversas situações mencionadas.

Atenciosamente,
Músicos da Orquestra Filarmônica de Goiás

Violinista Abner Landim, spalla demitido da OFG (divulgação OFG, @cissanobasileu)
Violinista Abner Landim, spalla demitido da OFG (divulgação OFG, @cissanobasileu)

 

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Em sua nota oficial, a Orquestra diz: Um dos marcos civilizatórios que infelizmente se está perdendo nos tempos atuais é o diálogo. É preciso defendê-lo, é preciso ouvir as partes envolvidas para evitar a formação de juízos e conclusões apressadas sem o conhecimento pleno dos fatos..." Mas aparentemente a própria diretoria se esqueceu do marco civilizatório: não dialogou nem com o spalla nem com os músicos...
Casa de ferreiro, espeto de pau.

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Comentário com correções:

É interessante que Flávia Maria diga que houve "ataques" à OFG de pessoas de fora de Goiás ou do círculo da orquestra, sem que ao menos houvesse algum tipo de pedido de esclarecimento. Que colocação mais precária....insinua-se, assim, que não é de interesse público geral o que acontece nas pouquíssimas orquestras profissionais brasileiras. Será que ela acha que a OFG não é tão importante? Em segundo lugar, as pessoas que procuraram esclarecimentos receberam exatamente os dizeres que foram aqui publicados em nota oficial, esta, aliás, pouquíssimo esclarecedora. Em terceiro lugar, ela parece querer insinuar que as manifestações não estão partindo daqueles ligados diretamente ao caso, sendo articuladas "de fora". Ora, um dos artigos mais contundentes publicados sobre o caso, de fato traz 70 assinaturas de musicos de peso do Brasil e do exterior que não são ligados à OFG. Mas e a carta dos proprios músicos da OFG, publicada em parte aqui na Concerto, assinada por 50 dos 55 integrantes daquela orquestra, não vale nada? As falas dela e a nota oficial da orquestra são precárias e superficiais. Lamentável. Ela ainda acusa de xenofobia um dos artigos que mais circularam, por referir-se ao maestro como "o maestro inglês ". Ora, ele não é inglês de fato? E Landim não é um trabalhador brasileiro? Nesse sentido, tenta-se reverter uma lógica. Em tempos de luta pela descolonização, é claro que a demissão de um trabalhador brasileiro por um estrangeiro (e nesse caso ambos assalariados com dinheiro publico) chamará a atenção. Enfim, são muitos furos. E é lamentável o que ocorreu na OFG

Eu fui primeiro trombone da Orquestra Filarmônica de Goiás (OFG) por cinco anos. Durante esse período, tive a oportunidade de presenciar a grandiosidade musical da orquestra, mas também vivenciei situações extremamente desgastantes que me marcaram profundamente. De lâmpadas caindo na cabeça de músicos a ensaios sob fumaça sufocante, e até abusos de autoridade por parte do maestro, coibindo qualquer manifestação, esses episódios criaram um ambiente de trabalho tóxico.

Apesar do excelente nível musical, os desmandos administrativos e a falta de respeito com os músicos têm deteriorado a qualidade artística da orquestra. Com a troca constante de instrumentistas nos naipes de madeiras e cordas, é impossível manter a coesão do grupo. E, sinceramente, que músico de qualidade aceitaria tocar em condições tão desfavoráveis?

Em 2021, tomei a difícil decisão de abandonar a carreira. Muito disso se deve ao trauma que adquiri nesse ambiente. É com tristeza que observo a guerra interna que consome a OFG, alimentada por comentários feitos sob perfis falsos e a atuação de alguns músicos que trabalham nas sombras. Esse tipo de comportamento só enfraquece a união que deveria existir em uma instituição desse porte.

Um episódio recente resume bem a situação: 50 dos 55 músicos assinaram uma carta pedindo a recontratação do spalla Abner, uma figura fundamental para o corpo orquestral. E o que aconteceu? A carta foi simplesmente ignorada. A diretora Flávia tomou a decisão sozinha, desconsiderando quase a totalidade dos músicos. Isso me faz questionar: para que serve a democracia?

Fica aqui minha tristeza e indignação. A música deveria ser um espaço de união, de criação e de inspiração, mas, nesse contexto, tornou-se o oposto. Espero que um dia a OFG recupere não apenas o respeito por seus músicos, mas também sua alma.

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Não posso responder a fakes, só respondo a pessoas me diz seu nome? Ai posso te responder. Ahh não você deve ter medo de se expor né, aí fala o que quer sem ser responsável por isso. @calmabrasil - exponha seu nome aqui, será eu teria coragem de ter uma conversa comigo? Hum… ou tem medo ?

Aliás, @calmabrasil a revista concerto logo vai excluir seu comentário fake, pelo jeito os mesmos continuam trabalhando as sombras.

Meu desejo é que a OFG tenha sucesso, 90% dos músicos são sérios comprometidos tem uma meia dúzia que é problema. Mas o todo não deve sofrer pela minoria atrapalhada não só na vida musical, mas em outros contextos.

Eu agradeço pelo tempo que estive na OFG e realmente eu ter saído foi uma providência de Deus, hoje estou muito melhor em todos os sentidos, Deus tem me abençoado muito.

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