Carlos Gomes: Aberturas e prelúdios de óperas
Orquestra Filarmônica de Minas Gerais
Fabio Mechetti – regente
Repertório:
Antonio Carlos Gomes (1836-96)
1. Il Guarany: Sinfonia (Overture)
2. Maria Tudor, Act I: Preludio (Prelude)
3. Condor, Act I: Preludio (Prelude)
4. Condor, Act III: Notturno (Nocturne)
5. Fosca: Sinfonia (Overture)
6. Joana de Flandres, Act I: Prelúdio (Prelude)
7. Salvator Rosa: Sinfonia (Overture)
8. A noite do castelo, Act I: Prelúdio (Prelude)
9. Lo schiavo, Act I: Preludio (Prelude)
10. Lo schiavo, Act IV: Preludio (Prelude), "Alvorada"
Não é possível pensar em ópera brasileira sem levar em conta o nome do compositor Antônio Carlos Gomes. Nascido em Campinas, mudou-se nos anos 1850 para o Rio de Janeiro e, de lá, seguiu para a Itália. Na terra da ópera, seu trabalho teve enorme importância em uma geração que, pós-Verdi, buscava novos caminhos para o gênero. Suas obras mais conhecidas são O guarani e O escravo, mas sua produção é multifacetada – ele trabalhou com a herança da ópera italiana combinada a influências vindas da Alemanha e da França. Ouvir as aberturas de óperas como O guarani, Condor, Maria Tudor ou Salvatore Rosa, assim como a Alvorada, de O escravo, nos dá a medida dessa diversidade, em especial na leitura atenta da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais e seu diretor musical Fabio Mechetti. São registros de referência desse repertório tão importante e um belo acréscimo à série Música do Brasil, com a qual o selo Naxos oferece novo paradigma de excelência na interpretação de correntes e gerações da música brasileira.
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Texto do encarte do CD
Antônio Carlos Gomes é o principal compositor brasileiro de óperas, que ocupou também um lugar especial no panorama da ópera italiana na segunda metade do século XIX. Sua obra preparou o caminho para o surgimento do verismo, movimento que renovou a estética do romantismo e vigorou até as primeiras décadas do século XX, na produção de compositores como Catalani, Leoncavallo, Puccini, Mascagni, Cilea e Giordano.
Nascido em Campinas, em 1836, iniciou sua formação musical na tradição da música sacra e das bandas de música, com repertório que incluía as transcrições de trechos de óperas, tendo a música italiana como referência estilística. Após um breve período em São Paulo, Carlos Gomes se mudou para o Rio de Janeiro em 1859 e ingressou no Conservatório de Música, onde foi orientado pelo italiano Gioacchino Giannini. Na Academia de Música e Ópera Nacional estreou as óperas A noite do castelo e Joana de Flandres, que lhe valeram uma bolsa para estudar na Itália com Lauro Rossi, professor do Conservatório de Milão.
Seus primeiros trabalhos naquele país foram as revistas teatrais Se sa minga (1867) e Nella luna (1868), cujo sucesso abriu as portas do Teatro Alla Scala, onde estrearia Il Guarany, seu maior triunfo artístico, e Fosca. Seguem-se as óperas Salvator Rosa, seu título mais encenado no século XIX, e Maria Tudor, com libreto escrito em colaboração entre Emilio Praga e Arrigo Boito, que aproximou Carlos Gomes da Scapigliatura, movimento artístico que buscava a renovação das artes na Itália. Uma década se passou até a estreia de Lo Schiavo, Condor e Colombo, seus últimos trabalhos para o palco. Os anos finais de sua vida foram marcados pela doença, por uma crise financeira e pela criação de sua obra instrumental mais importante fora do gênero lírico, a Sonata para cordas (1894) (Naxos 8.574405).
Em 1896, aceitou convite para voltar ao Brasil e assumir a direção do Conservatório de Belém do Pará, mas faleceu em 16 de setembro daquele ano, pouco tempo depois de sua chegada à cidade. O prelúdio de sua primeira ópera, A noite do castelo (1861), revela um compositor ainda apegado a fórmulas, mas já com uma preocupação em experimentar sonoridades e em dar à música um conteúdo dramático, com o rufo de tímpanos desacompanhado, que vai se encorpando com a adição de outros instrumentos, ou com a utilização do oficleide na instrumentação, que remete ao universo das bandas de música.
O prelúdio de Joana de Flandres (1863), por sua vez, é menos rico em timbres em relação à obra anterior, mas ganha uma sonoridade mais homogênea e uma distribuição melhor equilibrada do material musical pelos diferentes naipes. A ópera Il Guarany (1870) revela o quanto os estudos com Rossi e o contato direto com a ópera italiana em Milão foram importantes para o desenvolvimento de Carlos Gomes como compositor. A versão original continha um breve prelúdio que se conectava com a primeira cena; em 1871, o compositor o substituiu por aquela que vem a ser a mais longa e a mais executada dentre suas aberturas, estruturada a partir de alguns dos principais temas da ópera. Gomes, no entanto, não utiliza os temas como mera citação que prepara o ouvinte para o decorrer da trama, mas como um discurso musical orgânico derivado de um motivo que caracteriza o personagem Peri.
O mesmo processo de substituição do prelúdio original por uma abertura de maior porte se deu com a Fosca (1873), a ópera de Gomes que passou pelo mais radical processo de revisão após sua estreia. Na abertura é possível identificar a relação que o compositor estabelece entre os diferentes temas a partir da transformação motívica, assim como uma mais acentuada textura polifônica. A orquestração é mais sutil e variada, com destaque para o segundo tema, derivado do primeiro, apresentado em andamento lento pelas cordas em divisi e con sordina, no registro agudo.
Em Salvator Rosa (1874), sua ópera seguinte, o compositor procura criar, nos primeiros compassos da abertura, o ambiente tenso dos embates entre o exército do vice-rei de Nápoles e os revoltosos italianos, que se rebelam contra o domínio espanhol na região. O primeiro tema se caracteriza por seu caráter rítmico e incisivo, com notas em stacatto em forma de fanfarra pelos metais, seguido de uma intervenção forte do bombo e dos tímpanos, que simulam um tiro de canhão. O segundo tema cria o necessário contraste, com frase expressiva em legato associada ao personagem principal da ópera. A ópera Maria Tudor (1879) tem libreto de Emílio Praga, baseado em drama de Victor Hugo. O Prelúdio é estruturado a partir de dois temas. O primeiro é retirado do concertato do terceiro ato, no qual a protagonista expressa sua vontade de vingança. É um tema incisivo, de forte conteúdo dramático. O segundo tema corresponde ao da Marcha dos condenados, no quarto ato, que oferece o devido contraste, não só pelo lirismo como também pela mudança métrica.
Após um longo período sem apresentar uma nova obra para o palco, Carlos Gomes compôs Lo Schiavo, um trabalho de difícil gestação, marcado pelo conflito com o libretista Rodolfo Paravicini, o que inviabilizou sua estreia na Itália – a ópera viria a ser estrada no Rio de Janeiro, em 1889, poucas semanas antes da Proclamação da República no país. O tema da ópera se relaciona diretamente com a abolição da escravidão no Brasil, em 1888 (muito embora a ação da ópera transcorra no século XVI e os escravos sejam indígenas, e não negros). O prelúdio do ato I é uma breve introdução que cria o ambiente para a primeira cena, com sua ambiguidade tonal e harmonias estáticas, sobre as quais flutua um pungente solo de oboé e, após um trecho mais dramático pelo tutti orquestral, também pela flauta. Já o prelúdio do ato IV, a “Alvorada”, assume outra dimensão, não só na ópera, mas no conjunto da obra do compositor, sendo o mais próximo a que ele chegou da forma do poema sinfônico. Seu caráter descritivo é reforçado pela indicação, na partitura, do significado programático do conteúdo musical de cada seção. Nos compassos iniciais, Carlos Gomes indica: “No silêncio profundo da noite ouve-se o abafado murmúrio do mar que bate nas rochas vizinhas à tenda de Iberê”. A música segue descrevendo “o despontar da aurora brasileira e intensificando-se sempre com variedades de sons”, dentre os quais estão “o som rouco da inúbia guerreira no campo dos Tamoios”, o toque de um trompete interno, como vindo à distância de uma “frota portuguesa perfilada em posição de ataque”, cantos de pássaros e, finalmente, o nascer do sol que a tudo ilumina através do tutti orquestral. Carlos Gomes finaliza a peça citando o tema de Américo no primeiro ato, cuja letra anuncia uma “aurora de liberdade”, uma referência à libertação dos escravos. A “Alvorada” tornou-se rapidamente uma das mais consagradas e apreciadas páginas orquestrais do repertório brasileiro do século XIX. Em 1892, Carlos Gomes comporia Colombo, que, embora tenha todas as características de uma ópera, foi denominada “poema vocal sinfônico”.
A oitava e última ópera é, portanto, Condor, estreada no Scala de Milão, em 1891. O Prelúdio apresenta algumas características que podem ser decorrentes não só do orientalismo do enredo, mas também do próprio amadurecimento do compositor. As sonoridades camerísticas das harpas e trompas na introdução, as figurações leves e fluentes das cordas em divisi e o uso de escala de tons inteiros remetem a sonoridades orquestrais típicas da música francesa. O contraste é dado pelo tema exposto pelos metais em uníssono. Já o “Noturno” que antecede o terceiro ato do Condor cumpre a função de criar o ambiente no qual o drama será desenvolvido em sua parte final. É um procedimento típico da ópera do século XIX, que na Itália tem como precedente o Prelúdio do ato IV de La Traviata, de Verdi, e como contemporâneos os intermezzos de La Wally, de Catalani, da Manon Lescaut, de Puccini, e da Cavaleria Rusticana, de Mascagni. O Noturno de Carlos Gomes abre com um solo de oboé de caráter nostálgico, como um recitativo, respondido pela clarineta e pelos fagotes. Após o tema ser reapresentado pela trompa, as cordas assumem o protagonismo melódico, com uma frase larga e sentimental que leva ao ponto culminante do Noturno. Uma breve coda retoma o tema pelo oboé, com intervenções das cordas no agudo.
André Cardoso
Fabio Mechetti
Fabio Mechetti has been artistic director and principal conductor of the Minas Gerais Philharmonic Orchestra since its foundation. Under his leadership, the orchestra has received numerous awards, recorded nine albums, including several for Naxos, and undertaken a tour of South America. In 2014, he became the first Brazilian music director of an Asian orchestra when he was appointed principal conductor of the Malaysian Philharmonic Orchestra. In the US, Mechetti conducted the Jacksonville Symphony for 14 years and is now its conductor emeritus. He has also served as music director of the Syracuse Symphony Orchestra and Spokane Symphony; resident conductor of the San Diego Symphony; and associate conductor, under Mstislav Rostropovich, of the National Symphony Orchestra of Washington, D.C. As well as making his Carnegie Hall debut with the New Jersey Symphony, he has worked as guest conductor with a number of other North American and international orchestras. Born in São Paulo, he has a Master’s in conducting and composition from The Juilliard School, and won the international Malko Competition for young conductors in Denmark in 1989. www.fabiomechetti.com
Minas Gerais Philharmonic Orchestra
Founded in 2008 and based at the Sala Minas Gerais in Belo Horizonte, the Minas Gerais Philharmonic Orchestra has become one of Brazil’s most successful cultural organisations, under the helm of artistic director and principal conductor Fabio Mechetti. Its 90 players come from Europe, Asia and the Americas as well as from all regions of Brazil itself. The orchestra has received numerous awards and accolades, including CONCERTO magazine’s Grand Prize (2015, 2020), the Carlos Gomes Award for the best Brazilian orchestra (2012), and being named classical music ensemble of the year (2010) by the São Paulo Association of Art Critics (APCA). It presents various concert series, educational events and open air performances, as well as undertaking regional, national and international tours, and runs development programmes for young conductors and composers. Its discography includes two previous recordings for The Music of Brazil series on Naxos – albums of music by Nepomuceno (8.574067) and Almeida Prado (8.574225), the latter of which was nominated for a Latin GRAMMY in 2020 (Best Classical Album category). www.filarmonica.art.br.
CRÍTICAS INTERNACIONAIS
Gerald Fenech, Classical Music Daily, March 2023.
Gomes is an unjustifiably neglected composer whose music is overflowing with memorable melodies and audacious harmonies. …I encourage you to invest in this beautiful album which will definitely sweep you off your feet.
Andrew Farach-Colton, Grammophone Magazine, May 2023
Born in Campinas, Brazil, Antônio Carlos Gomes (1836 96) studied at the Imperial Conservatory in Rio de Janeiro before a scholarship sent him to Milan. He would go on to be the most successful non-European opera composer in 19th-century Italy; four of his operas were performed at La Scala.
Not surprisingly, Gomes’s debt to Donizetti and Verdi is readily apparent in this collection of overtures and preludes, yet one can also discern elements of his own unique voice. What stands out most starkly to me is his ability to create dramatic frisson in quiet passages, of which there are many. Take, for example, the Prelude to Act 1 of A noite do castelo (1861), the earliest work in this collection: for all its rumbling timpani and glowering brass, it’s in the whisper-soft closing passage with its plaintive oboe solo that Gomes’s music is most arresting.
The Minas Gerais Philharmonic play with precision and flair for their founding director and conductor Fabio Mechetti – and, crucially, they make magic in the many hushed moments. Listen starting at 1'30" in the Overture to Fosca (1873), where the strings play with marvellous delicacy, or to an analogous passage in the Overture to Salvator Rosa (1874) at 0'58" where the violins croon a slow, sighing, Traviata-like tune, and then note the delicate use of the harp at 3'28". There are a few dull bits here and there – say, the hackneyed storm sequence in the Prelude to Joana de Flandres (1862), another early work – but only a few.
The highlights here, for me, are the Prelude to Condor (1890), with its unusual harmonies and angular phrasing that at times seems to anticipate Janáček, and the lightly perfumed Nocturne from that opera’s Act 3; and from Lo schiavo (1889), the Act 1 Prelude with its gorgeous scoring and proto-Puccinian harmonies, and the Prelude to the fourth scene of Act 4 (subtitled ‘Alvorada’), an exquisite morning song that builds to a radiant if slightly grandiloquent apotheosis that’s thrillingly captured on this vivid recording. This is yet another edifying entry in Naxos’s Music of Brazil series.
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