Montagem de Marco Arturo Marelli teve direção de Christian Thielemann e será transmitida pela Medici.tv em 17 de fevereiro
Tristão e Isolda, ópera de Richard Wagner (1813-1883) é sempre um acontecimento. Imagine então uma encenação na Semperoper em Dresden, onde o compositor atuou como diretor entre os anos de 1842 e 1849 e estreou títulos como Rienzi, O navio fantasma e Tannhäuser.
Pois pude assistir em Dresden, em 26 de janeiro passado, à ópera Tristão e Isolda na montagem de Marco Arturo Marelli. Marelli nasceu em Zurique, em 1949, onde se formou em design gráfico. Desde o início, contudo, orientou sua carreira para o palco desenvolvendo trabalhos como cenógrafo e diretor cênico em diversos teatros da Europa, como a Ópera Estatal de Viena e de Hamburgo, a Semperoper Dresden, a Deutsche Oper Berlin, o Théâtre du Châtelet em Paris ou o Royal Opera House de Londres, entre muitos outros.
Esta encenação de Tristão e Isolda foi estreada em 1995 – sim, gente!, a encenação subiu ao palco há quase trinta anos e desde então, como é rotina nos teatros de repertório alemães, eventualmente volta ao programa em alguma temporada. E não pense que, nessas remontagens, a obra sofra com algum descrédito ou é colocada como algo secundário ou menos importante: na temporada 2023-2024 da Ópera de Dresden, a montagem concebida por Marelli teve quatro récitas dirigidas por ninguém menos do que Christian Thielemann – um dos grandes maestros do repertório lírico alemão – com um elenco espetacular: o tenor Klaus Florian Vogt como Tristão, a soprano Camilla Nylund como Isolda e Georg Zeppenfeld como Rei Marke.
Richard Wagner estava foragido em Zurique nos anos 1850 – ele fora banido de Dresden após participar dos movimentos revolucionários de 1849 –, e foi lá que lhe veio a ideia de escrever uma ópera baseado no mito medieval do amor entre Tristão e Isolda. A trama se confunde com o romance que Wagner vivia em Zurique naquele momento, com Mathilde Wesendonck, mulher de seu amigo e mecenas Otto Wesendonck. Descoberto o affaire houve um escândalo público – Wagner também era casado –, e o compositor foi obrigado a deixar a cidade, sem esposa nem amante, indo inicialmente para Veneza e depois para Lucerna, onde, por fim, em 6 de agosto de 1859, terminou a partitura.
A história da ópera é, bem resumidamente, a seguinte: Isolda, após seu noivo Morold ser subjugado na guerra, é entregue como esposa ao Rei Marke da Cornuália. Tristão é designado para buscar Isolda e levá-la ao rei, seu tio. Na travessia pelo mar, Isolda reconhece Tristan como o assassino de seu noivo Morold e decido envenená-lo. Sua criada, no entanto, troca o veneno e oferece a Tristão e Isolda um elixir do amor...
Morte, amor, desejo, fidelidade, destino – a trama de Tristão e Isolda aborda arquétipos, pulsões e emoções das mais profundas do ser humano. E a música de Wagner lhe confere camadas existenciais que transformam a ópera em um dos mais abrangentes registros de nossa condição humana.
Em Tristão e Isolda, é a música que de fato narra os acontecimentos – os personagens mais expressam sua situação e seus estados de espírito. Cada ato é um fluxo musical contínuo e, também aqui, Wagner se utiliza dos “Leitmotive”, os motivos musicais que são associados a um personagem ou a uma determinada situação psicológica, que sempre reaparecem ao longo da ópera. A escrita musical é altamente inovadora para a época, com harmonias tão amplas que criam uma suspensão tonal – não conseguimos mais perceber quando a frase musical termina –, antecipando a escrita do romantismo tardio e a própria dissolução do sistema tonal que viria com Schönberg no início do século XX.
A encenação de Marelli é moderna, abstrata e atemporal. O espaço está delimitado por um piso suspenso, que ganha uma inclinação cada vez mais íngreme ao longo da ópera. Um importante elemento cênico é um quadrado formado por cortinas transparentes que pendem sobre o palco. A cena é iluminada de maneira virtuosística, normalmente com cores frias, gerando ricos efeitos visuais. No todo aberto e transparente, o cenário oferece ótimas soluções para a movimentação dos personagens, que estão no foco de toda a montagem.
A execução musical foi de tirar o fôlego. Tendendo a andamentos mais lentos, Thielemann imprimiu uma leitura de grande concentração, mantendo a tensão musical sempre no limite mais extremo, sem deixá-la desabar. E que incrível o som da orquestra! Tenho no ouvido a progressão harmônica conduzida pelas cordas no prelúdio, as trompas, metais, as madeiras. E o solo pastoril do corne inglês do terceiro ato. Bem, eles sabem como fazer: a orquestra Sächsische Staatskapelle de Dresden foi criada em 1548, portanto, há mais de 475 anos – Monteverdi, a quem se dá o crédito de ter criado a primeira ópera da história, Orfeu, nem tinha nascido...
Mas a interpretação se destacou sobretudo pela junção orgânica e equilibrada da orquestra com as vozes. A soprano finlandesa Camilla Nylund tem voz poderosa em todos os registros e fez uma Isolda de grande entrega. Foi especialmente emocionante a sua derradeira intervenção, um fecho de alta carga dramática. O alemão Klaus Florian Vogt, por sua vez, é um tenor de voz mais lírica. Com bom gosto e emissão vocal impecável, fez ótimo par com Nylund – aliás, o segundo ato foi de ficar na ponta da poltrona do início ao fim. E impossível não mencionar o impressionante desempenho do baixo alemão Georg Zeppenfeld como Rei Marke. Com voz e presença cênica sensacionais, sua entrada em cena impactou todo o espetáculo.
Participaram ainda, sempre em alto nível, Martin Gantner (Kurwenal), Tanja Ariane Baumgartner (Brangäne), Sebastian Wartig (Melot), Attilio Glaser (pastor e marinheiro) e Lawson Anderson (timoneiro).
A récita do Tristão e Isolda de Dresden foi gravada e será transmitida pela Medici.tv no próximo sábado, dia 17 de fevereiro (clique aqui para acessar). Se você é assinante do canal, não perca. É uma realização extraordinária de uma grande ópera da história!
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Veja abaixo algumas imagens da produção de Tristão e Isolda (divulgação, Semperoper, Ludwig Olah)
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