Disco Navigator of Silences é música instrumental brasileira na sua elaboração, alegria e espontaneidade, combinada à abordagem da música de câmara
Acaba de ser lançado, nas plataformas digitais, o álbum Navigator of Silences, segunda parceria entre a violinista norte-americana Francesca Anderegg e a pianista brasileira Erika Ribeiro. As artistas se conheceram em 2015 e, três anos depois, lançaram Images of Brazil, com uma seleção de autores brasileiros dos séculos XX e XXI.
Se Images trabalhava no limite do repertório clássico, indo de Villa-Lobos a Léa Freire (passando por Camargo Guarnieri e Villani-Côrtes, entre outros), o novo lançamento dá um passo além em direção a um repertório aberto e que de fato navega entre diferentes mares. Se fosse necessário colocar Navigator of Silences numa prateleira, talvez a mais adequada fosse a dedicada à música instrumental brasileira. O disco tem obras de Yamandu Costa, Radamés Gnattali, Léa Freire, André Mehmari, Luca Raele, Toninho Horta, Bianca Gismonti e Clarice Assad.
Quase todas as obras foram originalmente escritas para outras formações, como a Sonatina para flauta e piano de Gnattali e a Sonata para viola e piano de Mehmari, que receberam transcrições para violino e piano de Francesca e Erika. Aliás, a Sonatina talvez seja, no seu equilíbrio fino entre a música de câmara e a utilização de elementos e processos da música popular, a obra que melhor simbolize a concepção geral do disco.
Ainda que transposta da viola para o violino, a Sonata de Mehmari explora registros graves do violino em boa parte do tempo, com o timbre nos remetendo ao instrumento para o qual foi originalmente escrita. Maracatu, o primeiro movimento, traz um motivo principal marcante que se desdobra num efeito vigoroso. O Lamento Religioso que o segue é melancólico e lembra os movimentos lentos de obras de Camargo Guarnieri, criando um belo contraste.
O sincopado Samba pro Rapha, de Yamandu Costa (uma homenagem a Rafael Rabello), as duas obras de Léa Freire (Choro na chuva e Espiral) e as duas peças de Bianca Gismonti (Festa no Carmo e, em parceria com Salomão Soares, Navegador de silêncios, que dá nome ao disco) foram arranjadas para violino e piano por Francesca e Erika, o que reforça a filiação do trabalho com as práticas da música instrumental brasileira.
Baita arranjador e clarinetista notável, Luca Raele é autor de duas músicas escritas especialmente para o projeto: Onde o verso e Quando inverso, que funcionam de forma contrastante e complementar. É dele também o lindo arranjo para a canção Beijo partido, de Toninho Horta.
The Last Song, de Clarice Assad, encerra o álbum. Originalmente escrita para piano solo e gravada em 2010, a peça ganhou versões para diversas outras formações, pela própria compositora ou por seus intérpretes. Uma delas, para cello e piano, encomendada por Yo-Yo Ma, originou a atual versão. Ela de fato soa como uma canção, pungente, cuja “linha vocal” é entoada pelo violino.
Erika Ribeiro, que toca com as maiores orquestras brasileiras e cujo primeiro disco solo foi indicado ao Grammy, é uma artista de ouvidos abertos e prontos a estabelecer diferentes conexões. Francesca Anderegg, por sua vez, desde o trabalho anterior se mostrou, além de exímia violinista, uma musicista que se dedica com seriedade ao repertório que se propõe interpretar.
Como uma dupla, Francesca e Erika são duas musicistas de pleno domínio técnico de seus instrumentos, e que expandem seus horizontes estéticos ao interpretar as peças do álbum. As obras não são apenas muito bem tocadas do ponto de vista técnico, com acabamento refinado; a interpretação vai além, mostrando duas artistas maduras que se sentem muito à vontade nas obras, criando ambientes que vão guiando os ouvintes e entregando um pouco do evidente prazer que elas sentem ao tocar.
É música instrumental brasileira na sua elaboração, alegria e espontaneidade, combinada à abordagem da música de câmara. Images of Brasil foi muito bem recebido no exterior, com grande acolhimento de público nos EUA, Japão e Alemanha. Navigator of Silences tem tudo para dar continuidade à bem-sucedida empreitada.
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