De hoje para amanhã, ópera dodecafônica de Schönberg, ganha excelente realização dirigida por Marcos Arakaki e Alvise Camozzi na Cúpula do Theatro Municipal de São Paulo
Um sofá, uma mesa de centro, uma poltrona, uma cadeira, duas portas e três telas de vídeo: este foi o enxuto cenário da ópera De hoje para amanhã, de Arnold Schönberg (1874-1951), apresentada nos últimos dias na cúpula do Theatro Municipal de São Paulo, na âmbito da série Ópera fora da caixa. A cúpula do teatro, que tem um acesso apenas por escadas a partir do último andar do prédio, é um amplo espaço circular, com teto em abóboda, usado normalmente para ensaios. De um lado ficou a orquestra – uma formação que inclui saxofones, contrafagote, harpa e bandolim; de outro, as cadeiras para 100 espectadores montadas sobre estrados; e, em frente no meio, o palco delimitado por uma estrutura metálica da qual pendiam os refletores.
Original, simples e criativa, a encenação de De hoje para amanhã foi dirigida por Alvise Camozzi, que no programa afirma que a ópera propicia “uma reflexão sobre a arte e sobre o amor, em tempos de guerra e crises. Sua leveza temática esconde a fragilidade do ser, sempre ameaçado por novos obscurantismos”.
Schönberg compôs De hoje para amanhã em 1929, portanto depois do monodrama Erwartung (1909) e alguns meses antes de sua ópera mais conhecida, Moses und Aaron (1930). O libreto foi escrito por sua mulher, Getrud Schönberg, sob o pseudônimo de Max Blonda. Schönberg já vinha com planos de compor algo sobre a relação de um casal em um matrimônio e parte de suas anotações foi incorporada no De hoje para amanhã. O compositor queria uma ópera leve e com humor no espírito de outros títulos da Zeitoper (ópera do tempo) – como A ópera dos três vinténs, de Kurt Weill, ou Jonny spielt auf, de Ernst Krenek –, e imaginou que o título seria um grande sucesso.
De hoje para amanhã é tida como a primeira ópera dodecafônica da história da música. A linguagem de doze tons (como se sabe, Schönberg é um dos pais da música moderna, criador do método que aboliu as tensões harmônicas do sistema tonal tradicional), que muitas vezes soa árida e artificial na música instrumental, ganha, na música lírica, uma enorme potência de expressão dramática. Aqui, também, é incrível a força que a partitura imprime à cena. Tanto que, uma das críticas à obra na época de sua estreia, foi o suposto desequilíbrio entre a seriedade e potência da música em relação à atmosfera coloquial e quase burlesca do libreto.
A história fala de um casal que leva um matrimônio burguês, comum. Porém, a partir de um encontro com uma amiga ex-colega da esposa e com um cantor – o marido se encanta com a sensualidade da amiga e a esposa flerta com o cantor que a deseja –, o casal começa a contrapor o tédio do casamento a uma vida livre e de prazeres dos “tempos modernos”. No irônico fim, contudo, marido e esposa concluem que o “moderno” é efêmero e muda “de hoje para amanhã” e que o que interessa mesmo é o amor. Na última frase da ópera, a criança, filho do casal, pergunta: “mamãe, o que quer dizer moderno?”. Em uma tirada sagaz, na produção do Theatro Municipal, a frase é dita por um senhor de cabelos brancos (a ator Rubens Velloso), que se levanta da plateia e caminha lentamente ao centro do palco...
A ação se desenrola toda neste ambiente de sala que serve de cenário. O vídeo central acompanha toda a ópera e apresenta um filme fragmentado com imagens de objetos do cenário, da criança e do corredor do interior da residência que dá na porta que se abre para o palco. É a representação um pouco angustiante de ideais burgueses desequilibrados. Nos vídeos laterais, as legendas.
Soou bem, coesa e brilhante, a Orquestra Experimental de Repertório, conduzida com atenção pelo maestro Marcos Arakaki, que logrou dar unidade à escrita dodecafônica. E foi excelente o desempenho dos solistas, em primeiro lugar o da soprano Laiana Oliveira, que fez a esposa. Dona do papel, Laiana aliou a sua interpretação vocal a uma competente atuação cênica, com um ótimo resultado. Foi bem também o marido, o barítono Isaque Oliveira, ainda que sem a mesma desenvoltura de palco da esposa – talvez sua postura mais contida tenha sido uma decisão cênica. O tenor Jabez Lima, que fez o cantor, e a soprano Manuela Freua, como a amiga, completaram com talento e convicção – não vamos nos esquecer de que estamos falando de linhas vocais atonais! – um quarteto vocalmente muito homogêneo.
Com uma lotação restrita a 100 pessoas, De hoje para amanhã foi um sucesso e lotou todas as seis récitas programadas. Quem a assistiu, descobriu um Schönberg surpreendente e vivenciou a força da ópera como expressão artística.
A lamentar apenas uma questão: para garantir um bom lugar, o espectador tinha de enfrentar 50 minutos de um ambiente de balada com música eletrônica produzida pelo DJ Fractal Mood. Gente, uma coisa evidentemente não tem absolutamente nada a ver com a outra...
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