Música contemporânea pra se assobiar

por João Marcos Coelho 30/12/2022

“Nine Trumpets and one piano” é um dos mais interessantes álbuns de música contemporânea lançados em 2022. Nele o trompetista carioca Fábio Brum passeia por obras e compositores espalhados pelo planeta, com destaque para criadores latino-americanos e, claro, alguns compositores brasileiros. Detalhe: todas as obras em primeira gravação mundial. É música nova para trompete e piano. E mais: todas foram dedicadas ao trompetista brasileiro.

Hoje com 40 anos, Fábio estudou no Conservatório Brasileiro e na Escola Nacional de Música da UFRJ. Tocou por dez anos na Orquestra Sinfônica Brasileira. Estudou na Universidade de Louisville, nos Estados Unidos, e na reputada Escola de Música de Karlsruhe, na Alemanha. Foi primeiro trompete da OSB e também da Orquestra Sinfônica de Sevilha. Hoje, mora em Valencia, na Espanha. 

O repertório é um espelho que comprova a vitalidade da cena pós-moderna de composição hoje dominante no planeta. Um bom exemplo é a vivacidade das Quatro estações brasileiras, do compositor Dmitri Cervo, originais para violino e orquestra e que Fábio já gravou em versão para trompete e orquestra. Neste novo álbum ele grava Verão Nordestino, o quarto movimento, em versão para trompete e piano. A obra inteira é de 2018, e esta versão é de 2020. Nesta faixa ele toca o cornet em si bemol.

Outro compositor muito bom desta safra nova, nascido em 1986, é Douglas Braga, saxofonista que vive em São Paulo. Dele Fábio toca Cór, de 2021, uma das obras mais encorpadas do álbum, que o próprio Douglas qualifica assim: “Cór, do francês coeur (coração), é escrita em quatro movimentos e une jazz, minimalismo, música brasileira, música francesa, os sons da cidade e também dos pássaros. As melodias partiram de três possíveis nomes para minha filha ou filho: Elis, Teresa e Caetano. Escrevi a peça no dia em que ouvi, pela primeira vez, os batimentos cardíacos do bebê”. Mais do que uma bela motivação, a peça é consistente, inventiva. Nela Brum toca o cornet em Fá.

Todas as obras comungam a mesma vontade de se comunicar com públicos mais amplos. São escritas por compositores com os pés fincados nas músicas de cunho popular em sua terra. Não de maneira explícita, claro. Mas subjacentes a linguagens sempre expressivas

Pacho Flores, mais conhecido como trompetista, é venezuelano e vive em Valência, como Fábio. É dele outra composição interessantíssima, intitulada Heterónimos, inspirada, claro, nos heterônimos de Fernando Pessoa. Flores passeis por vários estilos, climas e temperamentos que acrescentam um novo heterônimo aos existentes – o do intérprete.  Aqui Fábio toca o cornet em Dó.

Em Serendipia (2020), composição mais ambiciosa do álbum, com cerca de 20 minutos em dois movimentos sem título, Santiago Báez explora o sentido da palavra que significa acontecimento inesperado e motivador. Arranjador, multi-instrumentista e professor de piano espanhol radicado em Córdoba, constrói uma peça cheia de contrastes de andamentos e climas.

Mas todas as obras comungam a mesma vontade de se comunicar com públicos mais amplos. São compositores com os pés fincados nas músicas de cunho popular em sua terra. Não de maneira explícita, claro. Mas subjacentes a linguagens sempre expressivas, arredondadas para os ouvidos. Ora românticas, ora minimalistas, ora decididamente neoclássicas, fazem do gosto de tocar sua motivação talvez mais funda.

Em suma, é música nova, mas acessível a públicos mais amplos. Pois mestre Edino Krieger, que nos deixou há pouquíssimo tempo, não disse que música contemporânea é toda música que se faz hoje? E que não ganha certificados de autenticidade por ser assim ou assado, mas simplesmente por terem sido feitas no nosso tempo?

Por isso há lugar no álbum, por exemplo, para a Canção de sobriedade, de Misha Mullov-Abbado, compositor de jazz e contrabaixista londrino, que se declara apaixonado pela música brasileira, sobretudo Chega de saudade, que ele conhece como “No more blues”, de Tom Jobim. Misha quis compartilhar voluntariamente a estrutura harmônica da canção. Ela começa com ares meio eruditos, mas de 2 minutos em diante assume a batida bossanovista. É proibido proibir, já dizia o refrão de Caetano.

[O CD “Nine Trumpets and one piano” de Fábio Brum está disponivel na Loja CLÁSSICOS. Clique aqui para saber mais.]

Fabio Brum [Divulgação]
Fábio Brum [Divulgação]

 

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