Primeiras gravações mundiais celebram 500 anos de nascimento do compositor
“Toda música antiga é nova”, escreve Paul Griffiths. “Com exceção do cantochão, toda música anterior a 1550 ficou esquecida no tempo e ficou sem ser ouvida até o século XX, em muitos casos até bem tarde no século XX”. As vanguardas de meados do século passado se lambuzaram neste território até então virgem.
Talvez seja esta a razão pela qual efemérides de 500 anos, meio milênio, não provoquem tanto interesse e festejos. É o caso de um dos maiores compositores do século XVI e seguramente o maior compositor católico e mestre da polifonia clássica: Giovanni Pierluigi da Palestrina. Ele nasceu em 17 de dezembro de 1525 na cidade que o leva no nome, nos arredores de Roma, onde morreu em 2 de fevereiro de 1594.
Pelo título de um dos primeiros álbuns comemorativos que acaba de ser lançado, naturalmente inglês (os ingleses possuem uma poderosa tradição de música coral), impressiona que ainda haja música inédita de Palestrina em gravações: Palestrina Revealed (Harmonia Mundi, 2025) emoldura obras corais inéditas de Palestrina no contexto artístico do século XVI, justapondo criações de seus contemporâneos William Byrd (1540-1623), Robert White (1538-1574) e William Mundy (1529-1591). Repertório excelente, interpretações impecáveis.
Mas meu interesse, confesso, encaminhou-se para as primeiras gravações mundiais de obras de Palestrina. Entusiasmado pelas descobertas, o regente Graham Ross do Coro do Clare College, de Cambridge, comemora o feito ao listar as inéditas: “Duas notáveis missas quaresmais – a Missa Emendemus in melius a 4 vozes e a Missa Memor esto verbi tui a cinco vozes, acompanhadas pelo moteto de mesmo nome – são complementadas por um glorioso Magnificat a 5 vozes e pela inebriante versão de três coros do Salmo 123, Ad te levavi oculos meos”.
A música de Palestrina jamais foi esquecida no mundo da música coral porque é compreensível, indica Griffiths: “Apesar de dependentes da polifonia eufônica de Gombert e Morales, foram concebidas harmonicamente. E sua harmonia era aquela dos modos maior e menor”.
Palestrina viveu no centro de um furacão do século XVI, detonado pela Reforma Protestante, mais precisamente a partir da repercussão das 95 teses de Lutero, em 1517. O Concílio de Trento (1545-1563) reuniu o papa e o bispado para discutir uma contrarreforma. A música ocupou parte das discussões. E foi motivo da mais célebre de suas cerca de 100 missas, a Missa Papae Marcelli. Reza a lenda que ele a compôs numa noite, para defender a polifonia durante as discussões sobre como a Igreja Católica deveria se comportar em relação à Reforma Protestante.
De novo graças a Griffths, ficamos sabendo que sua música “é a encarnação sonora da obra teórica de seu contemporâneo Gioseffo Zarlino”. Veneziano, Zarlino nasceu em 1519 e morreu em 1590. Seu tratado Instituições harmônicas, de 1558, de fato foi “o tratado mais importante sobre música de sua época”. A novidade era “o acoplamento entre letra e uma harmonia fundamentalmente consonante nos modos maior e menor”.
Enquanto nossos ouvidos permanecem extasiados escutando estas maravilhosas obras corais, entendemos melhor a surpreendente conclusão de Griffiths: “O que emergiu de Trento foi uma liturgia revisada, em que a música deveria estar de acordo, curiosamente, com os ideais da própria Reforma – os ideais mais gerais da Renascença (...) Enquanto uma missa de Du Fay é um imenso edifício no tempo, com as palavras ocupando apenas o andar de baixo, um moteto de Palestrina, um coro luterano (um hino harmonizado a quatro vozes) ou uma melodia de salmo calvinista eram manifestações de um texto”.
Escutar Palestrina Revealed é abrir diante de nós um mundo novo. Sim, a música antiga soa nova. Ler Uma história concisa da música ocidental também provoca quase a cada página a mesma reação. O livro do jornalista, musicólogo e libretista Paul Griffiths é um abre-te sésamo para uma melhor compreensão da música clássica ocidental.
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