Repertório teve obras de Webern, Mozart, Marsalis e Shostakovich; interpretação de Mozart decepciona
A Osesp apresentou um programa diversificado nesta semana: na primeira parte, a Passacaglia opus 1, de Webern, e o Concerto para piano nº 23, de Mozart; na segunda, uma abertura de metais e percussão, de Winton Marsalis, seguida da Sinfonia nº 6, de Shostakovich. O caderno do programa afirma que “a quebra de expectativas hegemônicas pode ser um bom fio condutor para a apreciação do programa da noite de hoje”. Seja como for, o repertório é um prato cheio para quem gosta de música e vai ao concerto de espírito aberto. Assisti à apresentação de quinta-feira, dia 21 de novembro.
O austríaco Anton Webern (1883-1945) pertence, junto com Arnold Schoenberg e Alban Berg, ao grupo que entrou para a história como a Segunda Escola de Viena (em referência à primeira escola de Viena, a de Haydn, Mozart e Beethoven). Esta é a da criação musical vienense após o esgotamento da linguagem tonal levado a cabo pelo Romantismo tardio de compositores como Gustav Mahler. É o movimento que desembocou na música atonal e depois no dodecafonismo e no serialismo.
A Passacaglia opus 1 de Webern, contudo, composta em 1908, é ainda música tonal imbuída de toda a carga do final do Romantismo. Ainda assim, já evidencia algumas características da escrita de Webern, como a paleta de cores, a sobriedade e a concentração da mensagem, que viriam a ser a sua marca registrada. (Uma curiosidade: a obra completa de Webern, que morreu aos 61 anos, não dá 4 horas de duração, ou seja, cabe toda dentro de uma ópera de Wagner...).
O opus 1 de Webern tem cerca de 10 minutos, com a forma mesmo da passacaglia barroca, ou seja, em que um motivo da linha do baixo se repete em forma de variações. Com um início poético – as cordas em pizzicato tocam justamente as 8 notas que vão acompanhar toda a obra –, a composição leva a inspirados desenvolvimentos em coloridas e expansivas variações sinfônicas.
Foi boa a interpretação da Osesp, sob regência da maestra suíça-australiana Elena Schwarz, que, como leio no programa, tem familiaridade com a música do século XX, tendo trabalhado com o Ensemble Modern e sendo regente residente do Klangforum Wien.
Mas fui atraído ao concerto também para ouvir Marc-André Hamelin tocando o Concerto para piano nº 23 de Mozart. Ele é um virtuose especialmente admirado pela exploração de novos programas e repertórios. Eu já o ouvi em outras ocasiões, sempre muito bom. Hamelin veio em substituição ao pianista turco Fazil Say, que cancelou sua vinda ao Brasil em razão de problemas de saúde.
Não dá para dizer que a interpretação do concerto de Mozart pela Osesp com Marc-André Hamelin tenha sido “ruim”. Mas, para mim, ela deixou a desejar. Não encontrei muito das linhas claras e homogêneas, da sensibilidade delicada ou das articulações transparentes próprias do Classicismo. Nem mesmo o Adagio, com sua beleza apolínea, me convenceu. E ouvi a orquestra algumas vezes desencontrada com o solista, que tocou lendo a partitura no tablet. Contribuiu certamente para a minha percepção negativa a configuração acústica atual do teto móvel da Sala São Paulo, que, com sua reverberação excessiva, tem nessa formação de orquestra com piano à frente do palco o seu pior resultado.
Porém, se eu tive reservas, o público adorou! Muito aplaudido, Hamelin voltou ao palco e deu como bis uma peça de Carl Philipp Emanuel Bach. E aí sim, compensou um pouco o meu descontentamento anterior com uma interpretação convicta e cheia de personalidade.
A segunda parte abriu com uma curta obra para metais e percussão de Wynton Marsalis (1961), Herald, Holler, and Hallelujah, composta em 2021. Em uma mescla entre corais concertantes dos instrumentos de metal e a sonoridade das big bands, a peça abre espaço para bonitas intervenções dos sopros e da percussão.
O concerto se encerrou com a Sinfonia nº 6 em si menor de Shostakovich. A obra foi composta em 1939 – portanto, após o sucesso da Quinta e em meio à crise que levou à segunda guerra mundial. Consta que Shostakovich teria afirmado que “o caráter musical da Sexta sinfonia será diferente do humor e do tom emocional da Quinta, com seus momentos de tragédia e tensão [...]. Nessa sinfonia predomina a música de ordem contemplativa e lírica. Eu queria transmitir nela os humores da primavera, alegria, juventude”.
Se isso com certeza se aplica ao segundo e ao terceiro movimentos, não é a impressão que tenho ao ouvir a início da sinfonia, um Largo tenso, de tom algo melancólico e misterioso e envolto em uma atmosfera meio resignada. O segundo movimento, sim, é um Allegro, com trechos mais leves e ritmados, como um scherzo. E a obra fecha com um Presto, em que trechos acelerados se intercalam com intervenções solísticas da orquestra.
Foi excelente aqui a interpretação da Osesp, sob condução segura de Elena Schwarz. No todo muito equilibrada, a orquestra brilhou em diversas passagens, especialmente nas madeiras (inclusive piccolo, requinta e corne-inglês). Mas também outros naipes e músicos, como o spalla convidado Pablo de Léon, exibiram lindo som e musicalidade.
Saí do concerto e lembrei daquela máxima, que diz que o repertório clássico, por seu estilo e estrutura cristalina, é o mais difícil e desafiador. É mesmo...
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