À frente da Osesp, o maestro brasileiro Marcelo Lehninger apresentou uma leitura convincente do Choros nº 6, de Villa-Lobos
No Youtube, um vídeo gravado no Theatro Municipal do Rio de Janeiro em 1986 traz o maestro Lorin Maazel regendo a Orquestra Filarmônica Mundial nos Choros nº 6 de Villa-Lobos [veja aqui]. A imagem um tanto borrada mostra Maazel ora concentrado nas indicações à orquestra, ora marcando o tempo de olhos fechados, como quem curte a música, e ora literalmente dançando no pódio. É uma bela execução dessa obra, a mesma que abriu o programa que a Osesp interpretou nos dias 28, 29 e 30 de novembro.
O Choros nº 6, de 1926, é o primeiro da série escrito para grande orquestra. Em 25 minutos, ele flui ininterrupto e o primeiro tema, seresteiro e tristonho, surge na flauta logo nos primeiros compassos. A partir daí uma profusão de temas envolventes se sucedem, em seções contrastantes cujas transições mais ou menos se fundem. Como outras obras da década de 1920, o Choros nº 6 tem uma rítmica complexa, naipe de percussão que incorpora instrumentos da música popular e superposição de camadas musicais. Tudo isso para dizer que não se trata de uma obra simples, embora não seja de audição árida.
À frente da Osesp, o maestro brasileiro Marcelo Lehninger, diretor musical de orquestras e festivais nos EUA, apresentou uma leitura convincente da obra no concerto de quinta-feira (28). No geral, sua interpretação foi clara e “limpa”: era possível ouvir tudo, perceber as mudanças de seção, curtir os momentos de intenso lirismo. Ainda que algumas transições parecessem oscilar um pouco, e que em momentos mais densos (em que vários materiais são apresentados simultaneamente por diferentes grupos da orquestra), nem sempre o material mais importante aparecesse em primeiro plano, a interpretação geral foi excelente.
Em seguida, o concerto trouxe excertos da Floresta do Amazonas, incluindo três das quatro célebres canções – Cair da tarde, Canção do amor e Melodia sentimental. Praticamente a última obra escrita por Villa-Lobos, em 1958 (ele morreria no ano seguinte), a Floresta é igualmente grandiosa no uso da orquestra (e ainda mais na duração). A diferença entre esta peça e o Choros, no entanto, é evidente já nos primeiros compassos. Temos uma linguagem musical mais convencional e uma obra que, concebida originalmente como trilha sonora para um filme de Hollywood (o fracassado Green Mansions), tem um caráter altamente descritivo.
Sob a regência precisa de Lehninger, a Osesp executou os trechos instrumentais com tranquilidade e muito brilho. A solista das canções foi a porto-riquenha Larisa Martínez, cuja pronúncia da língua portuguesa deixou a desejar, o que era agravado pelo uso quase contínuo de vibrato. No entanto, Martínez é uma soprano de grandes recursos técnicos e belo timbre escuro, e proporcionou ao público momentos bem bonitos.
Se o Choros que abriu o programa é a inquietude da eterna descoberta, a noite terminou com a Sinfonia nº 4 de Tchaikovsky, ou o conforto de navegar num mar conhecido e previsível – o que não significa monótono ou desprovido de imaginação. Lehninger e a Osesp fizeram uma leitura vigorosa da obra, com os movimentos externos vibrantes, plenos de contrastes e cores. O vigor, aliás, fez-se sentir inclusive no Andantino in modo de canzona, o segundo movimento; os pizzicatti do Scherzo, por sua vez, vieram cheios de sutileza e humor.
Para 2025 a Osesp terá como um dos eixos da programação a integral das sinfonias de Tchaikovsky. Segundo Thierry Fischer, maestro titular do grupo, seria uma forma de buscar o crescimento da orquestra, aprimorando sua unidade sonora. A interpretação brilhante e consistente da sinfonia do autor russo nessa noite me fez pensar sobre a importância da tradição na interpretação de uma obra. Um histórico de performance (com diferentes apresentações e gravações ao longo de décadas) é essencial para que haja um aprimoramento geral do entendimento de uma obra – pelo público, pelos regentes e pelos grupos orquestrais.
O que sobra no caso de Tchaikovsky e tantos outros autores, falta no caso de Villa-Lobos (a interpretação de Lorin Maazel para o Choros nº 6 é uma das pouquíssimas que se pode encontrar na internet). Por isso é especialmente importante que a Osesp tenha interpretado, nesta temporada, obras orquestrais do compositor – ouvimos nos últimos meses o poema sinfônico Uirapuru, a Sinfonia nº 6 e o Choros nº 10.
Embora já tenha gravado a peça, a Osesp pouco executa o Choros nº 6, e talvez nenhuma outra orquestra esteja tão apta a criar um histórico de interpretação e promover a difusão desta e das outras obras geniais deste conjunto escrito entre São Paulo, Rio de Janeiro e Paris na década de 1920.
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