La vorágine, nova ópera de João Guilherme Ripper realizada em coprodução com a Colômbia, abriu a nova edição
O Festival Amazonas de Ópera (FAO) está de volta! Na terça-feira, dia 15 de abril, o histórico Teatro Amazonas de Manaus abrigou a montagem de La vorágine, nova ópera do compositor carioca João Guilherme Ripper, abrindo a programação da 26ª edição do tradicional evento. No ano passado, às vésperas do início dos ensaios, o FAO acabou sendo sumariamente cancelado pelo governo do estado do Amazonas, que deu como motivo um decreto de redução de gastos para alcançar o equilíbrio financeiro do estado (leia mais aqui).
La vorágine, que é realizada em coprodução com a Colômbia, teve sua estreia mundial em Bogotá no início deste ano. A montagem já é um resultado dos esforços do FAO para criar cooperações para produções líricas, como as que foram anunciadas no dia seguinte, com o Corredor Criativo da Amazônia. A ópera tem direção cênica do colombiano Pedro Salazar e regência do maestro Luiz Fernando Malheiro, que é também diretor artístico do festival.
La vorágine, que pode ser traduzido como “o redemoinho”, é uma adaptação do romance do escritor colombiano José Eustasio Rivera (1889-1928). O libreto, também preparado por Ripper, fala de ambição, amor, exploração e violência na Amazônia, com capangas, seringueiros e indígenas. A ópera foi encomendada a Ripper pelo Centro Nacional de las Artes - Delia e pela La Compañia Estable, ambas instituições da Colômbia, por ocasião das comemorações do centenário da primeira edição do livro, que é um clássico da literatura colombiana.
A ópera, em 3 atos e cantada em espanhol, narra a saga de Arturo Cova e Alicia, amantes que fogem de Bogotá para escapar de um casamento arranjado. Refugiados em La Maporita, região do Casanare, sua relação rapidamente se deteriora. Alicia é raptada por Narciso Barrera, um recrutador inescrupuloso de trabalhadores para os seringais, junto com Griselda, mulher por quem Arturo se encanta. Ferido e humilhado, Arturo parte em perseguição ao sequestrador, acompanhado de Fidel Franco. A jornada revela abusos brutais cometidos nos seringais, inclusive a escravidão por dívida. Com a ajuda de Clemente Silva, homem em luto que carrega os ossos do filho, Arturo reencontra Alicia, que está grávida. Num confronto final, Barrera é morto pelos indígenas escravizados. O reencontro dos casais e o enterro do filho de Silva marcam o desfecho da ópera.
Ainda que em um primeiro momento possa causar um certo estranhamento ver um brasileiro escrevendo um libreto em espanhol, uma só realidade e o destino dos protagonistas diluem as fronteiras entre a Colômbia, a Venezuela e o Brasil – tudo se passa em uma mesma Amazônia. Assim, a obra, sem recorrer a clichês folclóricos ou estereótipos regionais, se sustenta com autenticidade.
Ripper é um mestre da narrativa musical, sua música flui acompanhando e realçando o desenrolar da história e pontuando musicalmente os acontecimentos. Há passagens mais líricas, eventualmente com algum eco popular, mas tudo dentro de um grande discurso musical vazado em uma linguagem tonal romântica. Alguns trechos mais dramáticos, com coro, em que Ripper trabalha com motivos rítmicos, são especialmente emocionantes e eficientes.
São bonitos e funcionais os cenários. Projeções no fundo transmitem uma ideia da imensidão e do isolamento da floresta. Em seus três atos, as cenas são construídas com elementos estetizados, como grandes árvores, barracos de madeira ou um barco. Figurinos são de bom gosto e no todo o espetáculo – apesar da crueza da história – é aprazível e bonito de se ver.
Foi muito boa a performance musical da Amazonas Filarmônica e do Coral do Amazonas, conduzidos por Luiz Fernando Malheiro. Artur Cova foi feito por Homero Velho, que, com voz potente, imprimiu força e determinação ao papel. A colombiana Eliana Piedrahita cantou Alicia, com timbre claro e boa presença cênica. O tenor Enrique Bravo destacou-se no papel de Narciso Barrera, com uma sonora voz de múltiplos matizes. No todo, o grande elenco é bem equilibrado e se apresentou com competência: Sara Beemúdez (Griselda), Juan David González (Fidel Franco), Ana Mora (Zoraida Ayram), Emannuel Conde (Do Rafo), César Gutiérrez (Clemente Silva), Manuel Franco (El Váquiro), Thalita Azevedo (Sebastiana) e os soldados Humberto Sobrinho e Moisés Rodrigues.
Além da ópera de Ripper, o FAO terá ainda uma La Boheme de Puccini em versão de concerto, também com regência de Malheiro (dias 25 e 27 de abril), e a montagem de As bodas de fígaro, de Mozart, que terá direção musical e regência do maestro Marcelo de Jesus e direção cênica de Juliana Santos (dias 14,16 e 18 de maio). O evento programa também concertos e recitais de árias e canções com a participação da Orquestra de Câmara do Amazonas.
Apesar de ser uma edição relativamente modesta – três títulos, sendo um em concerto –, a retomada do Festival Amazonas de Ópera deve ser efusivamente comemorada! Como afirma, no programa da ópera, o próprio secretário de Cultura e Economia Criativa do estado do Amazonas, Caio André Pinheiro de Oliveira, “a volta do Festival, além de ser uma determinação do governador Wilson Lima, é algo sine qua non para a nossa cultura. Há uma grande importância no que concerne ao turismo, à divulgação da música erudita, à movimentação dos nossos corpos artísticos, em tudo isso é fundamental e já está inerente à nossa cultura e inerente aos eventos que são realizados pelo Governo do Estado”.
Que bom que o Festival Amazonas de Ópera volte a ser um bom exemplo de política cultural pública para a difusão da ópera, para o impulsionamento da economia criativa e para a promoção social!
A ópera La vorágine será transmitida neste sábado, dia 19, às 20 horas (horário de Brasília) pela TV Encontro das Águas (clique aqui para acessar).
[Nelson Rubens Kunze viajou a Manaus e assistiu à ópera La vorágine a convite do Festival Amazonas de Ópera.]

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