Reza a lenda que Campinas tem três torcidas: da Ponte Preta, do Guarani, e da Sinfônica Municipal. Se hoje os dois times de futebol estão fora da Série A do Campeonato Brasileiro, a sinfônica permanece firme na primeira divisão de nossas orquestras. O responsável pela façanha inédita de colocar uma formação que não está sediada em uma capital no grupo de elite da música brasileira de concerto foi o maestro mineiro Benito Juarez, que acaba de nos deixar.
Sim, a orquestra já existia antes de Juarez assumir sua chefia. Documentos que vieram à tona em 2014 fazem-na reivindicar o título de primeira formação brasileira no gênero fora de uma capital, e talvez a mais antiga em atividade, pois foi criada em 1929.
Porém, o ponto de virada aconteceu em 1975, quando a prefeitura de Campinas assumiu a gestão da sinfônica e chamou, para comandá-la, um discípulo de Koellreutter que criara os corais de duas importantes universidades brasileiras, a USP e a Unicamp: Benito Juarez.
Logo de cara, Juarez levou a orquestra para tocar o oratório O Messias, de Händel, no Teatro Municipal de São Paulo.
Para dar visibilidade ao grupo, e consolidar seus laços com a comunidade, teve a atitude pioneira de não mantê-lo encerrado exclusivamente nas salas de concerto, e promover apresentações em praças, escolas, presídios – e regeu o Hino Nacional no histórico comício pelas Diretas Já no Vale do Anhangabaú, em 1984 (eu estava presente, e posso dizer que cantei sob a direção de Benito, que pode ser visto regendo de camista amarela, a 0:52.
Ficaram marcadas suas apresentações no Festival Internacional de Inverno de Campos do Jordão sob chuvas de aplausos e reiteradas voltas ao palco, que lhe renderam o apelido (com o qual ele mesmo se divertia, e que gostava de contar aos outros) de “Santos Dumont” (pois, em determinada edição do festival, ele teria dado nada menos do que 14 bis).
Juarez tinha ainda um compromisso com a música brasileira de concerto. Um compositor ao qual esteve especialmente associado foi Almeida Prado, seu colega de Unicamp, que lhe dedicou diversas peças, inclusive a icônica Sinfonia dos Orixás, que Benito gravou.
Seu disco de estreia com a Sinfônica de Campinas, em 1978, sintomaticamente trazia obras de Almeida Prado e da maior glória musical da cidade: Carlos Gomes (ao qual regente e orquestra dedicariam, mais tarde, outro álbum).
Com Fernando Lopes no auge de sua forma, registrou, em LP, a integral dos concertos para piano e orquestra de Villa-Lobos.
Na década de 1990, fez uma gravação empolgada, já em CD, da Sinfonia de Alberto Nepomuceno, bem como da Sinfonia nº 2, de Camargo Guarnieri.
Outro disco marcante foi Episódio Sinfônico, em que a Sinfônica de Campinas, novamente, executa repertório 100% nacional, com obras de Francisco Braga, Guerra Peixe, Lorenzo Fernandes, Francisco Mignone, Fructuoso Viana e Almeida Prado.
Nos tempos de chefe de departamento de música da Unicamp, Juarez criou o curso de música popular, no qual chamou, para o corpo docente, o maestro Cyro Pereira, sob cuja batuta tocara como violinista, na orquestra da rádio Record. A ligação com a MPB acabou sendo um dos pontos fortes de sua atividade, em uma época na qual atuar com músicos “populares” ainda era algo estigmatizado para músicos “eruditos” no Brasil. Benito esteve presente em discos de Egberto Gismonti, incluindo a regência da versão mais clássica da obra mais conhecida deste músico: Palhaço, no disco Circense.
Quando o casamento de 25 anos com a Orquestra Sinfônica Municipal de Campinas acabou, em 2001 (de forma infelizmente conturbada), Juarez teve energia suficiente para fundar, logo em seguida, a Banda Sinfônica do Exército Brasileiro.
O legado de sua personalidade forte, carisma e gosto eclético vê-se refletido nos filhos que seguiram carreira musical: André Juarez, virtuose do vibrafone; Tiago Pinheiro, refinado cantor e regente coral; e Carmina Juarez, voz de destaque da música popular.
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