Maestro faz aniversário na sexta-feira, 27, e comemora com um concerto ao ar livre, na Cinelândia, no Rio, à frente da Orquestra Petrobras Sinfônica
A sessão de fotos que celebrava a volta do maestro Isaac Karabtchevsky ao Brasil – ao Rio de Janeiro, onde dirigira a Sinfônica Brasileira entre 1969 e 1995 - foi marcada numa churrascaria de primeira linha no Aterro do Flamengo. A paisagem ao fundo: a Baía de Guanabara e o Pão de Açúcar. O verão estava no auge. Eu estava lá, suando ao ar livre. Isaac posou ao lado da diretoria, dos músicos e dos amigos, com sua combinação única de imponência e sorriso acolhedor.
Era dezembro de 2003 e Isaac vinha de uma longa colaboração com a Orquestra do Teatro La Fenice, em Veneza – de 1995 a 2001. Aliás, ele estava à frente do conjunto quando o prédio pegou fogo pela segunda vez, em 1996. No ano seguinte, ele assumiria uma das orquestras nacionais da França, a do Pays de la Loire, em Nantes, onde ficou por cinco anos. Antes de Veneza, havia dirigido a importante Tonkünstler, de Viena (1988-1994). Regeu como convidado algumas das maiores orquestras do mundo.
Ali, nos jardins de Burle Marx, sol a pino, festejava-se o retorno do mais conhecido regente brasileiro. Atendeu aos jornalistas com paciência, contou histórias da sua vida. Nascido em São Paulo, filho de judeus ucranianos, ouvia desde cedo a voz educada da mãe, mezzo-soprano que chegou a atuar na Ópera de Kiev. Ele foi cursar eletrônica, mas a música se impôs. Estudou oboé com Walter Bianchi e harmonia, composição e regência com Hans-Joachim Koellreuter.
Quem é da minha geração e viu tevê ainda em preto e branco se lembra com clareza da figura esguia, da elegância no pódio, da batuta e, principalmente do seu inexplicável, indefinível e indissociável carisma
Quando se bandeou para Belo Horizonte em 1955, a ideia inicial era fundar um grupo de jovens militantes sionistas – mas fundou foi o Madrigal Renascentista, coral que marcou época e que fez turnês celebradas pelos Brasil, América do Sul e Europa. Numa dessas turnês, em 1958, acabou ficando na Universidade de Freiburg, na Alemanha. Voltaria só em 1961. Em 1967, seria o assistente de Eleazar de Carvalho na OSB para, dois anos depois, assumir a titularidade da orquestra.
Quem é da minha geração – os nascidos no início dos anos 1960 – e viu tevê ainda em preto e branco e sem controle remoto certamente conhece o rosto, os gestos e o nome de Isaac Karabtchevsky, presente nas telinhas naquela década e na seguinte com os Concertos para a Juventude. Eu me lembro com clareza da figura esguia, da elegância no pódio, da batuta e, principalmente do seu inexplicável, indefinível e indissociável carisma.
Completando 90 anos, Isaac é hoje o decano e o maior nome da regência no Brasil. Conviver com ele por vários anos na Petrobras Sinfônica – e com Maria Helena, sua cara-metade de grandes qualidades empresariais e pessoais – foi uma aula permanente de inteligência musical e de capacidade intelectual. Sim, porque Isaac é a prova viva de que cultura geral – filosofia, psicanálise, literatura, história – é a base para um voo artístico que transforma ao seu redor.
Ao explicar para a orquestra um movimento de uma sinfonia de Mahler, de um concerto de Dvórak, de uma peça de Boulez, Isaac organiza as forças em torno do ato criativo de uma maneira esplêndida
O que o pensamento de Lacan ou o conhecimento de Cervantes podem mudar no empunhar da batuta? Talvez não muito na técnica fria, mas profundamente na compreensão das linguagens artísticas. Ao explicar para a orquestra um movimento de uma sinfonia de Mahler, de um concerto de Dvórak, de uma peça de Boulez, Isaac organiza as forças em torno do ato criativo de uma maneira esplêndida. “Pensem na Divina Comédia, na entrada do inferno”, diz ele ao explicar um trecho da Sinfonia nº 1 de Mahler, compositor que ama. Isaac regendo Mahler é uma experiência impactante, tamanha a sua compreensão da música do autor. Já ouvi Isaac falar da endocardite de Mahler – doença cardíaco que mataria o compositor – dando exemplos rítmicos das suas obras.
Dizem que, jovem, era explosivo. Há histórias de rispidez nos ensaios e até de agressão – um soco no solista na coxia. Quando conheci Isaac, ele há muito havia dominado qualquer impulsividade desse tipo. Na Petrobras Sinfônica, quando o acompanhei de perto, estava sempre disponível. Histórias correm, é lógico. A tentação de falar bem ou mal de figuras de poder – e a regência ainda é uma das poucas atividades em que o poder absoluto se mantém – sempre é grande.
Isaac sempre postulou, sem pieguice – e com muito senso de marketing –, que as fronteiras entre o clássico e o popular não eram rígidas, nem os “gêneros” (com aspas mesmo) excludentes. Do palco do Canecão onde regeu em 1971 o encontro da OSB com a bateria da Mocidade Independente de Padre Miguel, Chico Buarque, Jacques Klein e o MPB-4, à criação do Projeto Aquarius, que continua a reunir multidões, não receou a mistura. Foi enredo de escola de samba. E nunca se furtou ao moderno, regendo do Tristão e Isolda, de Wagner, ao Erwartung de Schöenberg. Tanto “a perfeição da forma quanto a dissolução dela”, nas palavras dele em uma entrevista, são inspiradoras.
Assumiu em 2011 a direção da Orquestra Sinfônica Heliópolis, bem-sucedido projeto social na favela paulistana. E há décadas dá um curso de regência na Itália. Também em 2011 deu início ao projeto, de cinco anos, de gravação das sinfonias de Villa-Lobos com a Osesp, premiadíssimo e tido como marco da orquestra paulista na sua segunda década de existência
Aos 90 anos ele está no pódio, celebrado e consagrado. Vai subir à cena na Cinelândia para um programa sob medida para levantar o público, do Bolero de Ravel ao Trenzinho do Caipira de Villa-Lobos. Viva Isaac!
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