O que fazer, confinados como estamos?
Ouvir música, ouvir música e, ainda, ouvir música.
Escutei e reescutei as Variações para orquestra que Schoenberg compôs entre 1926 e 1928.
Impregnado pela beleza dessa música, fui procurar no meu velho exemplar de René Leibowitz seus comentários sobre a obra. O livro se intitula Schoenberg. Foi traduzido em português por Hélio Ziskind e publicado pela Editora Pespectiva em 1981. Contém um LP compacto com gravações de peças para piano do compositor, interpretadas por Caio Pagano.
Leibowitz não foi só historiador e teórico. Foi ainda grande maestro. Naqueles tempos de modernidade ferrenhamente partidária era um homem que sabia reconhecer a qualidade artística onde estivesse. Gravou tanto o Concerto para violino de Schoenberg, como La belle Hélène, de Offenbach; em seu livro Histoire de l’opéra, até hoje inédito no Brasil, analisou admiravelmente Wagner, Pelléas et Mélisande, Wozzeck, e também defendeu com unhas e dentes Cavalleria Rusticana e I Pagliacci, pôs em evidência as fenomenais audácias “modernas” de Puccini, afirmando: “E entre os compositores foram frequentemente aqueles que se imaginaram estar na ‘vanguarda’ da música contemporânea que rejeitaram a obra de Puccini, sob o pretexto de que ela se situava na tradição (já ‘ultrapassada’ – bem evidentemente) do melodrama do século XX”. Conclui: “Que me seja então permitido ainda uma vez que, nesse sentido [daqueles que buscam encontrar as qualidades essenciais na composição de uma ópera], a obra de Puccini pode, se ela for bem compreendida, nos ensinar muitas coisas que nos ajudarão a solucionar os problemas da arte lírica contemporânea”.
É verdade que tinha também seus ódios, ou um grande ódio: Sibelius. Escreveu um livro intitulado: Sibelius, o pior compositor do mundo. Derivou seus preconceitos dos anátemas lançados por Adorno. Nobody is perfect.
No entanto, esse mesmo Leibowitz, uma das inteligências mais luminosas que se possa imaginar, e com a abertura de espírito que evoquei acima, quando analisa as Variações para orquestra de Schoenberg, faz assim:
“Lancemos agora um olhar sobre o tema. Este se articula da seguinte maneira: compassos 1-5 Antecedente; compassos 6-12 Consequente; estes doze compassos constituem um Período que forma a primeira seção, A, de uma estrutura tripartite.” O resto segue numa descrição de mesma natureza.
Por brilhante que fosse, Leibowitz era um homem de seu tempo. Seu Schoenberg data de 1969: ele deriva de um livro bem mais antigo: Schoenberg et son école: l'étape contemporaine du langage musical, que escrevera em 1947. A versão de 1969 foi publicada pela editora Seuil para uma coleção destinada ao grande público! Com esse tom de uma aridez desencorajante!
Os jovens de hoje não imaginam a volúpia que era dar às análises uma aparência “científica”. Isso, porém, é o de menos. O problema é que nessa visão puramente estrutural e descritiva, fica de fora o sentido expressivo da música.
A musicologia da modernidade, desde Hanslick, foi marcada pela vocação formalista: música não significa nem expressa nada. É uma pura combinatória de sons. Concepção que empobreceu muitíssimo a compreensão do fenômeno musical para o ouvinte, e conduziu muitos compositores a exercícios formais razoavelmente estéreis.
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