Novas vozes ocupam o cenário mundial da ópera

por Flavia Furtado 02/02/2024

Reflexões motivadas pelo primeiro título latino-americano encenado no Metropolitan de Nova York

Às vésperas do 2º Fórum Mundial de Ópera, em novembro de 2023, o Metropolitan Opera House estreou o primeiro título latino--americano da história da instituição, Florencia en el Amazonas, do compositor mexicano Daniel Catán. Minutos antes do maestro Yannick Nézet-Séguin iniciar a récita, alguém da plateia gritou “Viva la ópera en español!”, e o teatro veio abaixo com palmas e gritos.

Fiquei feliz por perceber que a comunidade latina havia comparecido e validado a iniciativa tardia. Dois dias antes da estreia de Florencia, pude assistir à montagem de X: The Life and Times of Malcom X no mesmo palco, e, mais uma vez, foi impressionante ver a plateia cheia, com a comunidade afro-americana presente e efusiva nos aplausos.

No rastro da emergência sanitária dos últimos anos e de todas as crises financeiras enfrentadas, não há instituição no mundo que não esteja às voltas com reduções de verbas, sejam elas públicas ou privadas, e isso não é diferente para o Metropolitan. É claro que o teatro norte-americano, assim como todos os seus pares mundiais, está à procura de novas audiências e financiadores dentro de comunidades mais amplas e inclusivas.

E esta nova e dura realidade, do meu ponto de vista, pode ser positiva para todo o setor. Dialogar com a representatividade mais abrangente dos diversos grupos sociais nos palcos de nossos teatros só nos fará maiores, ampliando nosso público, nossos temas, nossas parcerias e nossos recursos. 

A ópera é a manifestação artística da vez. O gênero está muito vivo, os teatros e instituições vêm renovando sua gestão e crescendo de maneira diversa, com todos os grandes temas da contemporaneidade sendo discutidos, experimentados e incorporados em nossos palcos, com força e legitimidade raramente vistas. 

Desde 2018, quando o setor se juntou pela primeira vez para realizar o Fórum Mundial de Ópera, em Madri, Espanha, uma coisa ficou bem clara para mim: estávamos vivendo o início de um novo momento para a ópera em todo o mundo. Discutimos a herança cultural e sua popularização, sua relevância no século XXI, novas produções e composições e, como não podia deixar de ser, o emergente tema da diversidade.

Na ocasião, as duas coisas que mais chamaram a minha atenção foram a presença maciça de teatros e profissionais do mundo inteiro, do oriente ao ocidente, e o evidente interesse pela América Latina. Para termos uma ideia, 20 diretores de casas de ópera latino-americanas foram convidados para ir a Madri. 

Desde então, ouso dizer que a ópera é a manifestação artística “da vez”. O gênero está muito vivo, os teatros e instituições vêm renovando sua gestão e crescendo de maneira diversa, com todos os grandes temas da contemporaneidade sendo discutidos, experimentados e incorporados em nossos palcos, com força e legitimidade raramente vistas. 

Principalmente, estamos repensando as nossas questões identitárias e nos perguntando o que é, afinal, a ópera latino-americana, qual é o nosso lugar neste mercado mundial. Todos nós, que fazemos parte da cadeia produtiva regional da ópera (cantores, compositores, diretores, cenógrafos, figurinistas, iluminadores e técnicos), temos a nossa maneira de abordar as grandes questões do século XXI e os novos repertórios, assim como temos também uma leitura dos grandes clássicos a partir do nosso olhar territorial e da nossa herança cultural e histórica.

As vozes do Novo Mundo estão sendo chamadas ao palco. Nós temos legitimidade para liderar a urgente atualização do debate sobre a ópera na contemporaneidade e precisamos ocupar nosso lugar central neste cenário. 

Somos um mercado que cresce a olhos vistos. No Brasil, isso é sentido de norte a sul do país, com as instituições mais unidas para o fortalecimento do setor, o surgimento de novas companhias independentes (principalmente fora do Sudeste) e de uma pauta conjunta mais alinhada em prol da criação de novas políticas públicas e parcerias com a iniciativa privada e organizações sociais. 

Estamos chamando a atenção mundial, temos afinidades com os mercados europeu e norte-americano, temos inúmeros teatros em nosso território. Não podemos deixar de observar também a qualidade de nossos profissionais, compositores, solistas, maestros, músicos, diretores, que nos permite estar em pé de igualdade com o que há de melhor no cenário internacional.

Minha passagem por Nova York, a convite do IBOC - International Brazilian Opera Company, teve como objetivo participar do painel “Do Teatro Amazonas ao Metropolitan Opera House: a ópera como motor de crescimento econômico”, ao lado de nomes como Andrea Puente-Catán, diretora de Desenvolvimento do Ballet Hispánico; Tony Shivers, diretor de Assuntos Governamentais da Ópera América; e Athena Azevedo, diretora-executiva da IBOC, além do anfitrião Peter Gelb, diretor-geral do Metropolitan. 

Em sua fala final, Andrea Puente-Catán observou, muito acertadamente, que “o mundo inteiro olha para o que o Metropolitan faz, e eles estão mandando uma mensagem”. Sim, a mensagem é clara: as vozes do Novo Mundo estão sendo chamadas ao palco. Nós temos legitimidade para liderar a urgente atualização do debate sobre a ópera na contemporaneidade e precisamos ocupar nosso lugar central neste cenário. 

É para isso que devemos estar preparados no próximo Fórum Mundial de Ópera, que acontecerá de 3 a 8 de junho de 2024, em Los Angeles, EUA. Fui convidada, ao lado de Andrea Caruso, diretora do Theatro Municipal de São Paulo, para ser uma das delegadas oficiais do encontro. Estarei representando o Teatro Amazonas e o Festival Amazonas de Ópera, o que aceitei com muita honra e com grande responsabilidade, pois sei que todos os olhos do mundo estarão voltados para nós neste momento.

Cena de 'Florencia en el Amazonas', no Metropolitan de Nova York [Divulgação/Ken Howard]
Cena de 'Florencia en el Amazonas', no Metropolitan de Nova York [Divulgação/Ken Howard]

 

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