O retorno de uma obra de Villa-Lobos, quase cem anos depois

por Redação CONCERTO 29/09/2023

Neste domingo, a Osesp traz um programa intitulado “Brasil e Suíça Juntos”, celebrando os vínculos entre os dois países. A regência é do diretor musical e titular da Orquestra, o suíço Thierry Fischer. O programa começa com Messiaen e termina com Rachmaninov. Entre as duas peças, a Osesp traz de volta aos palcos o poema sinfônico Tédio do Alvorada, de Heitor Villa-Lobos. O concerto também vai marcar o lançamento, na Loja CLÁSSICOS, do livro Uirapuru: Do Tédio de Alvorada ao Uirapuru: Partituras de estudo comentadas, de Manoel Corrêa do Lago e Guilherme Bernstein, publicado com o apoio do Consulado-Geral da Suíça em São Paulo. A convite da CONCERTO, Corrêa do Lago escreveu um texto sobre a Tédio da Alvorada, que será ouvida no domingo pela primeira vez após a sua estreia. 

Manoel Corrêa do Lago*

Quase 90 anos atrás, em 1934, o coreógrafo e bailarino Serge Lifar fez uma turnê pelo Brasil e, nela, homenageou Villa-Lobos com uma ousada coreografia sobre a música do Choros nº 10, baseada na lenda indígena do Jurupari. Villa retribuiu: criou o balé Uirapuru e o dedicou a Lifar. A partir de sua estreia, em 1935, Uirapuru entrou definitivamente no repertório sinfônico internacional, pela magia de sua orquestração e sua força temática indígena e da floresta amazônica; foi gravado por maestros como Leopold Stokowski, Eleazar de Carvalho, Efrem Kurtz e Isaac Karabtchevsky.

O que não muitos conhecem é a história pregressa do balé. Uirapuru é a ampliação de um poema sinfônico composto em 1917, Tédio de Alvorada, com nova roupagem harmônica, novos motivos melódicos e, principalmente, as variações de canto do uirapuru anotado pelo botânico inglês Richard Spruce no século XIX e reproduzidas por Gastão Cruls no livro A Amazônia que eu vi, de 1930. O compositor transporta a temática de caráter contemplativo de Tédio de Alvorada para a narrativa cheia de peripécias da lenda amazônica do Uirapuru, incorporando novas sonoridades como a do violinofone e a de instrumentos de percussão brasileiros.

Capa do livro Tédio de Alvorada

A primeira versão da obra, Tédio de Alvorada, tinha o subtítulo “Sobre uma paisagem” e ganhou notoriedade, sendo executada muitas vezes até 1925 no Rio de Janeiro e em São Paulo. Mario de Andrade – que chama a peça de obra-prima em uma crônica – e é aplaudido pelos modernistas. Villa-Lobos a dedica em 1925, numa turnê do brasileiro à Argentina, ao grande maestro suíço Ernest Ansermet, que nunca a executou.

O bearbeitung, isto é, à composição de obras novas pelo remanejamento de obras antigas, era constante na produção de Villa-Lobos entre 1929 e 1932: o Momoprecoce para piano e orquestra foi derivado de Carnaval das Crianças, suíte para piano solo de 1919; o Quarteto de cordas nº 5 veio das Cirandinhas, para piano solo, compostas em 1926; o balé sinfônico Caixinha de Boas Festas, a partir de duas coleções para piano, compostas em 1912, Petizada e Brinquedos de Roda; Myremis, de 1916, é a base do balé Amazonas,.

Esta nova audição de Tédio de Alvorada, na Sala São Paulo, ocorrendo praticamente cem anos após a sua última apresentação pública (em 19 de maio de 1925, no Theatro Municipal de São Paulo). E só se tornou possível pela descoberta recente, na Suíça, do material de orquestra completo, doado por Villa-Lobos a Ansermet naquele encontro. O manuscrito foi restaurado pela Biblioteca La Musicale de Genebra e a partitura pôde ser editada, pela primeira vez, pelo compositor Guilherme Bernstein-Seixas.

Quem conhece o Uirapuru vai reconhecer cada um dos episódios do Tédio de Alvorada, que se transformou, de um poema sinfônico de juventude, numa das obras mais consagradas do compositor.

Manoel Corrêa do Lago, economista e musicólogo, ocupa a cadeira de número 15 da Academia Brasileira de Música

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