Nessa sexta, 12 de setembro, às 19h, o maestro carioca Ricardo Rocha celebra seus 40 anos de careira com um concerto da Sociedade Musical Bachiana Brasileira, grupo que criou e rege desde 1999. O evento, que também lembra os 275 anos de falecimento e 340 anos de nascimento de Bach, na série Música para Cordas do Espaço BNDES, traz as solistas Gabriela Queiroz e Priscila Rato, duas das mais conceituadas spallas do país. No programa, o Concerto para dois violinos BWV 1043 e a Suíte em si menor BWV 1067, de Bach, e também a Holberg Suite de Grieg. Rocha conversou com a CONCERTO e ressalta que os 275 anos de falecimento ganharam, na sua concepção, outra abordagem: “Chamo esse período de ‘vida póstuma de Bach’ já que, mesmo tendo deixado este planeta em 1750, sua obra está cada vez mais viva no mundo inteiro”.
Como foi a trajetória que o levou para tão perto do compositor?
Envolve um mistério até para mim mesmo; o ponto de partida remonta à minha mais tenra idade, quando Bach passou a ser uma "nota pedal" na minha vida, uma presença viva que veio me marcando da infância até hoje. Morávamos em Vila Isabel [bairro da Zona Norte carioca]. Minha mãe foi regente de coro infantil no projeto de Canto Orfeônico de Villa-Lobos e, em visitas de amigos de meus pais, ela colocava a mim e aos meus dois irmãos perfilados para cantar, a uma ou mais vozes, peças do folclore brasileiro compiladas por Villa-Lobos no seu Guia Prático. Aos seis anos eu fui estudar piano particular com a professora Solange Saraiva e fiz meu primeiro recital público aos nove anos de idade, já com um programa que privilegiava Bach e suas invenções a duas vozes. Aos 10 anos, já na Escola de Música Villa-Lobos, conheci o que viria ser o mais importante mestre na minha formação musical, o pianista Werther Politano, um dos fundadores da Orquestra Sinfônica Brasileira. Era muito difícil conseguir uma vaga com o cobiçado e rigoroso professor de piano. Quando ele me perguntou se eu queria mesmo estudar com ele, respondi: “com uma condição para ser seu aluno: quero estudar Bach!”. Audácia de um pivete sem noção que acabou aprovado. A decisão de ficar comigo, soubemos depois, deu-se principalmente pela “condição”: Bach, referência para ele como pianista e professor, era uma espécie de “fantasma” para a maioria das crianças. Quando me formei em regência pela Escola de Música da UFRJ, em 1986, já havia regido algumas cantatas de Bach e fundei a Sociedade Musical Bachiana Brasileira, tocando Bach e música brasileira de concerto. Depois veio um segundo capítulo: ganhei a única bolsa de Estudos para Artes na América Latina em 1987 da Fundação alemã Konrad Adenauer; ganhei o título de Kapellmeister em ópera e Concertos Sinfônicos pela Escola Superior de Música Universidade de Karlsruhe, dirigindo por 11 anos o ciclo Brasilianische Musik im Konzert.
Há um cartoon que mostra Bach escrevendo uma partitura e um homem ao lado “colando” dele. Embaixo desse homem, vem escrito: “Todos os outros compositores”. Você concorda?
Pode-se discutir quem foi o maior compositor de todos os tempos – para mim foi Bach –, mas ninguém pode colocar em questão quem foi o mais importante. Por mais de mil anos na história da música, da Alta à Baixa Idade Média até a descoberta do acorde, na Renascença, muitos foram os compositores que colaboraram, inicialmente, para a criação da monodia, a invenção da notação musical, a criação do contraponto e da polifonia e seu extraordinário desenvolvimento. A partir de 1600, com o início do período barroco, grandes músicos tentaram uma sistematização dessa música vertical, com seus acordes que soavam consoantes ou dissonantes em cada contexto, como Monteverdi e Scarlatti na Itália, e mesmo Rameau, na França, autor do que foi o então primeiro Tratado de Harmonia, lançado em 1722. Johann Sebastian Bach acumulou, com seu raro talento, uma bagagem incomum compondo e trabalhando como afinador de cravos e órgãos com diferentes tipos de afinação. E inventou um sistema tonal que daria ordem e padrões, comungando a linguagem polifônica e harmônica com suas 48 escalas maiores e menores. Assim, Bach estabeleceu o sistema que possibilitou todo o exponencial desenvolvimento da música ocidental. Se hoje, no Rio, um músico de pagode diz: “sol maior está muito agudo pro cantor, vamos fazer em fá!”, isso é Bach, que foi quem criou e sistematizou estas e todas as outras tonalidades! Por fim, seu sistema e sua música cumpriram e seguem cumprindo função seminal, ou seja, influenciando diversos gêneros musicais, do folclore à música sinfônica, coral e instrumental, do choro ao rock. Sua música resiste a qualquer meio, a qualquer mudança de instrumentos nos quais ela é executada, de um violino de autor, passando por um teclado eletrônico até um ringtone de celular.
O programa tem também uma peça de Grieg. Fora a formação para cordas, qual a razão da escolha?
Pensamos nesse Concerto para dois violinos e na Suite em si menor BWV 1067 de Bach, completando com Grieg com sua belíssima suíte Aus Holberg’s Zeit, um programa para orquestra de cordas com duas solistas, que são as violinistas Gabriela Queiroz e Priscila Rato, das melhores no Brasil. Essas peças são obras-primas de uma literatura tradicional e consagrada. Villa-Lobos dizia ser Bach “fonte de folclore universal”. Sua música segue cada vez mais viva nos dias de hoje, por possuir algo tão profundamente belo que a torna atraente para as mais diversas culturas e gerações.
Aos 40 anos de carreira, o que você planeja fazer?
A curto prazo, meus esforços serão voltados para a reabilitação da Bachiana, que muito sofreu com a falência oficial do nosso Estado em 2016 e quase fechou as portas no final de 2022, em função da pandemia. No médio prazo quero voltar à minha carreira internacional e além de concertos, gravar videocoleções de obras cujos volumes da série eu já regi em diferentes ocasiões e locais, mas nunca juntos numa montagem única, com um mesmo conjunto. Estão nesse caso as nove sinfonias de Beethoven, as nove Bachianas brasileiras, de Villa-Lobos, as quatro sinfonias de Brahms. Tenho três livros encaminhados: meu segundo livro sobre regência, um outro sobre formas musicais e um terceiro, de fôlego, que ainda estou definindo e avançando. Por fim, depois de 30 anos de aulas de regência, gostaria de ter um espaço físico e um orçamento sustentável para manutenção e desenvolvimento de uma escola de regência.
![O maestro Ricardo Rocha [Divulgação/Virgínio Sanches]](/sites/default/files/inline-images/w-rrocha.jpg)
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