Percorrendo a sinuosa estrada de Claudio Santoro

por Luciana Medeiros 28/11/2019

Em seus quase 70 anos de vida, o amazonense Claudio Santoro se distancia muito da frase irônica de Alberto Caieiro/Fernando Pessoa, que define uma suposta biografia como um espaço entre dois pontos, o nascimento e a morte, e um miolo que só interessa a cada um. Prolífico, ousado, temerário, angustiado, intenso, o compositor que nasceu em 23 de novembro de 1919, em Manaus, ganha agora um perfil biográfico com texto de João Luiz Sampaio e imagens levantadas por Glória Guerra. Claudio Santoro – 100 anos de música é um lançamento da Funarte que chega ao público em eventos nesta quinta, dia 28, no Teatro Dulcina, e no dia 5 de dezembro, na Sala São Paulo. 

Não é um volume grande: suas 112 páginas acomodam imagens pouco ou nunca vistas pelo público, tais como os quadros que Santoro pintou ou fotografias de ensaios, apresentações e família. E trazem um texto preciso, saboroso, de enganadora simplicidade em sua clareza. É um feito, o de acompanhar a sinuosa estrada de Santoro na estética e na vida, sem perder de vista a essência que o próprio compositor resume na entrevista citada por Sampaio, concedida nos anos 1940: “O artista servindo aos interesses da humanidade e da sociedade, sua arte, como uma das superestruturas, está sujeita à evolução social, tornando-se reflexo da produção material. Assim, senhores, está a evolução em constante processo de transformação e renovação”. A correlação constante entre criação artística, técnica e ideologia nunca abandona esse artista que se filiou em 1944 ao Partido Comunista Brasileiro. 

Ou, nas palavras de Fábio Mechetti, na biografia de Sampaio, “ele unia um conhecimento técnico extremamente sólido a uma curiosidade estética singular, que lhe permitiu atravessar várias correntes musicais do século XX. Como Igor Stravinsky na música, ou Pablo Picasso na pintura, ele não se acomodou em uma linha estética única de expressão e pensamento. O que permeia a música de Santoro é sua capacidade de adaptação, de se expressar por meio de diferentes linguagens, com competência, entendimento das possibilidades de cada uma delas e as utilizando como meio de expressão. E nunca como fins em si”. Os diversos regentes ouvidos para a biografia expressam sólida admiração – como o britânico Neil Thomson, que usa uma expressão evocativa: “Há uma qualidade que permeia toda a música sinfônica de Santoro: um lirismo muscular. (...). Santoro é o mais importante compositor sinfônico brasileiro. Pode ser colocado ao lado dos grandes sinfonistas do século.”

Seu trajeto tem idas e vindas, literais e estilísticas, desenhadas com clareza no volume. Duas vezes impedido por razões ideológicas de estudar e lecionar nos Estados Unidos – a segunda, recusando a proposta de “renunciar” ao comunismo –, Santoro passou pelo desmonte do projeto da UnB de Darcy Ribeiro com o golpe de 1964 e acabou indo para a Alemanha em 1967, país onde se radicaria, e onde teria grande liberdade, prestígio e facilidades para trabalhar entre 1970 e 1978. Voltou ao país contra a vontade de toda a família, para investir novamente num projeto musical em sua terra. Assim como, em 1939, transformou Hans-Joachim Koellreutter, seu colega de estantes nas OSB, em professor ao insistir em aprender princípio e técnicas do dodecafonismo, foi mestre de uma longa lista de nomes de ponta no Brasil. 

João Luiz Sampaio guia o leitor pelas opções de correntes estéticas de Santoro ao longo da vida – as quatro fases: dodecafonismo, nacionalismo exigido pelo realismo soviético, experimentalismo e uma síntese final – e pontua a ansiedade que dominou os últimos anos de Santoro, em luta contra burocracias e interesses do Brasil, até sua morte em pleno ensaio. E arremata com o reconhecimento de sua obra nesse ano de centenário, por alguns dos regentes brasileiros que a estão programando. 

Claudio Santoro – 100 anos de música, de novo, é enganadoramente simples. Com as ferramentas do jornalismo, traz um entendimento básico, mas muito abrangente da figura do compositor, que preencheu seus dias entre o nascimento e a morte com uma copiosa produção a ser ainda descoberta, tocada e festejada para além da efeméride.

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O compositor Claudio Santoro

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