Recurso adia definição sobre a nova Organização Social que assumirá o Theatro Municipal; mas questão de fundo, apresentada na proposta da Santa Marcelina Cultura, levanta falta de autonomia e deturpação do conceito do modelo de OSs
No processo de escolha da entidade que vai realizar a gestão do Theatro Municipal de São Paulo, os olhares estão agora voltados para o recurso em que o Instituto Baccarelli pede a revisão das notas dadas pela comissão de seleção. Se ela acontecer, há espaço para que as posições se invertam e o instituto tome a primeira colocação da OS Sustenidos. E é entre as duas organizações que a competição agora se dá.
Mas há outro aspecto importante no julgamento da comissão, presente na análise de um dos itens da proposta feita pela terceira colocada, a Santa Marcelina Cultura: o processo decisório para definição da programação, categoria na qual a entidade recebeu nota zero. E ele sugere um desafio futuro, independentemente de quem seja a vencedora.
Na proposta da Santa Marcelina, diz o parecer da comissão, o processo decisório “coloca-se de forma muito mais autônoma em relação à Fundação Theatro Municipal e à política municipal de cultura, entendendo haver uma independência entre as programações pensadas pela municipalidade e aquelas pensadas pela organização.”
“Atribui-se assim a nota de zero pontos ao (sic) Santa Marcelina Cultura, no quesito processo decisório do critério 7 do Edital de Chamamento, pois prevê um modelo de definição da programação centralizado e pouco aberto a dissonâncias produtivas, além de ser fechado ao diálogo para produções conjuntas com a Fundação Theatro Municipal e a Secretaria Municipal de Cultura. A programação torna-se assim mais hermética e pouco suscetível a discussões e inovações”, completa o parecer.
Quem decide o quê? É disso, de maneira bem simples, de que se trata. Não é pergunta banal, afinal tem sido um dos pontos mais polêmicos do Municipal atual e toca em uma das essências do modelo de gestão via organizações sociais: a independência no trabalho, que tenta evitar justamente a centralização da qual fala a comissão. Afinal, estamos falando de evitar centralização ou apenas trocá-la de mãos?
A relação entre poder público e iniciativa privada não é regida pelo acaso. Entre governo e OS é estabelecido um contrato de gestão que esmiúça direitos e deveres de ambas as partes. De maneira bem resumida, cabe ao governo estipular conceitualmente a função do bem público a ser gerido, sua missão, seus objetivos – e pagar por isso; e cabe à OS decidir como e com quais profissionais vai atingir as metas propostas – e provar que o fez com respeito ao bem público e ao dinheiro recebido.
Um exemplo. O contrato de gestão assinado pela Fundação Osesp e o governo do Estado de São Paulo exige, entre muitas outras coisas, a manutenção de excelência artística. Mas quem define o diretor artístico, o regente titular ou a equipe de produção que vai tornar isso possível é a organização social. Não por acaso: uma das vantagens do modelo é impedir a indicação política para cargos-chave, o desvio de verbas para interesses específicos, a troca constante de artistas e funcionários.
Imaginemos, nos últimos vinte anos, que a cada troca de secretário de cultura, o maestro ou diretor artístico da Osesp tivesse sido trocado, recomeçando do zero a programação, desfazendo contratos e assinando novos? Se a escolha de regente titular fosse feita pelo governador? Se, vez ou outra, viesse a ordem lá de cima para abrir espaço na temporada de assinaturas para uma série de concertos idealizada pela secretaria? Ou que, na Escola de Música do Estado de São Paulo ou na SP Escola de Teatro, viesse do secretário de cultura a decisão sobre que professor pode ou não ser contratado?
Não é preciso forçar a imaginação. Na cena musical brasileira, esse é um problema antigo e conhecido, inclusive no Municipal. Nas últimas duas décadas, foram catorze maestros e diretores artísticos a comandar o teatro, o que dá uma média de permanência no cargo de menos de um ano e meio para cada projeto artístico, que acaba no lixo antes mesmo de ser implementado. Onde esse tipo de gestão camicase já deu certo?
Propor metas e conceitos é uma coisa – e definitivamente função do Estado. Interferir na programação, indicar profissionais a serem contratados, escolher quem deve ou não se apresentar no Municipal é outra – e torna o teatro vulnerável mais uma vez a humores políticos. A questão é conceitual. Não se trata de gostar ou não da atual proposta artística da secretaria – mas de ressaltar que mesmo ela, neste modelo, de acordo com as mudanças na prefeitura, pode ser jogada fora e trocada por outra. Não há identidade artística – e o Municipal precisa desesperadamente de uma – que sobreviva a isso.
Dissonâncias produtivas, abertura ao diálogo, uma programação menos hermética e mais suscetível a discussões e inovações: o Municipal só tem a ganhar com isso. E passa por aí a modernização de seu trabalho e sua inserção cultural e social. Mas então é preciso buscar uma organização capaz de, em sua proposta, mostrar planos concretos nesse sentido, com ideias e questionamentos contemporâneos. E permitir a ela que realize seu trabalho. À prefeitura cabe, a partir daí, fiscalizar. É para isso que serve o edital. O resto seria reduzir a OS a mera pagadora de contas. O que daria a todo o processo de chamamento um incômodo ar de farsa.
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Comentários
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É claro que aqui vai uma…
É claro que aqui vai uma opinião pessoal, de alguém que nunca militou na área musical, mas há mais de 40 anos trabalha na área da gestão pública e nos últimos dez anos, na gestão de entidades do terceiro setor.
Não é possível uma Comissão que se baseie em edital que privilegie a escolha por capacidade técnica, opte por uma Sustenidos, quando existem concorrentes do porte do Instituto Baccarelli e Santa Marcelina Cultura e que oferecem o prestígio de nomes como Isaac Karabtchevisky e Roberto Minczuk, embora exista um óbice formal com relação à indicação deste último.
Não dá para acreditar.